quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

UMA POESIA DE MURILO MENDES

Murilo Mendes (1901-1975)


" Tu, que instituíste o sacramental da poesia, assegurando a Maria Madalena a eternidade de seu gesto amoroso e romântico.
Tu, que moves os corações das musas e o amor dos amantes e dos esposos.
Tu, que em ti mesmo e por ti mesmo só tens relação com o Pai e com o Espírito Santo, Te constitues relação entre todas as formas e manifestações inumeráveis da vida.
Tu, que sempre exististe e que antes da criação do mundo já tinhas determinado Tua projeção no tempo e Tua morte da qual brotou, por Tua vontade, uma descendência infindável de poetas. Tu, que pela Eucaristia, testamento de poesia, de mistério e amor, distribuiste exemplares de Ti mesmo entre todos os homens até a consumação dos séculos. Ninguém pode ser indiferente a Ti. Todos te são tangentes pelo amor, pelo pressentimento, pela superstição ou pelo ódio.
  Só tua imagem resiste e resistirá ao ridículo, ela que se desdobra e se multiplica nas Igrejas, nos lares, nas fábricas, nos armazéns, nos prostíbulos, nos tribunais, nos peitos dos fiéis, nos livros, nas medalhas, nos jornais, nos teatros, nos quadros, nas esculturas e nos filmes. Assim como Tua imagem esteve escondida três séculos debaixo da terra, ela está hoje patente no alto dos morros e nas asas dos aviões, e sempre o estará nas futuras invenções humanas. Assim como estiveste presente na sociedade primitiva, pois que Adão, os patriarcas, e os sacerdotes são prefigurações de Ti em Tua existência terrena, assim também estiveste presente na sociedade romana, na sociedade bárbara, na sociedade feudal, na sociedade burguesa, e estarás presente na sociedade operária e na que lhe suceder. Meu Deus, eu te peço que tenhas pena dos homens que na próxima grande revolução irão tentar outra vez destruir Tua imagem, lembra-Te que os filhos deles hão de restaurai-a com maior fervor. Peço-Te que sacies a fome do pobre, que anules o tédio do rico e que faças o homem voltar a sua vocação inicial. E Te peço que consumas o mais depressa possível o miserável poeta que tenho sido, para que não fique poema sobre poema, pois estou ansioso para me abrigar a luz eterna da Tua imutável, da Tua definitiva Poesia! "

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Citado por JORGE DE LIMA. A mística e a poesia, Revista “A Ordem”, Setembro de 1935, n. 62, p. 225-226.

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