Murilo Mendes (1901-1975)
" Tu, que instituíste o sacramental
da poesia, assegurando a Maria Madalena a eternidade de seu gesto amoroso e
romântico.
Tu, que moves os corações das musas e
o amor dos amantes e dos esposos.
Tu, que em ti mesmo e por ti mesmo só
tens relação com o Pai e com o Espírito Santo, Te constitues relação entre
todas as formas e manifestações inumeráveis da vida.
Tu, que sempre exististe e que antes
da criação do mundo já tinhas determinado Tua projeção no tempo e Tua morte da
qual brotou, por Tua vontade, uma descendência infindável de poetas. Tu, que
pela Eucaristia, testamento de poesia, de mistério e amor, distribuiste
exemplares de Ti mesmo entre todos os homens até a consumação dos séculos.
Ninguém pode ser indiferente a Ti. Todos te são tangentes pelo amor, pelo pressentimento,
pela superstição ou pelo ódio.
Só tua imagem resiste e resistirá ao ridículo, ela que se desdobra e se
multiplica nas Igrejas, nos lares, nas fábricas, nos armazéns, nos prostíbulos,
nos tribunais, nos peitos dos fiéis, nos livros, nas medalhas, nos jornais, nos
teatros, nos quadros, nas esculturas e nos filmes. Assim como Tua imagem esteve
escondida três séculos debaixo da terra, ela está hoje patente no alto dos
morros e nas asas dos aviões, e sempre o estará nas futuras invenções humanas.
Assim como estiveste presente na sociedade primitiva, pois que Adão, os
patriarcas, e os sacerdotes são prefigurações de Ti em Tua existência terrena,
assim também estiveste presente na sociedade romana, na sociedade bárbara, na
sociedade feudal, na sociedade burguesa, e estarás presente na sociedade
operária e na que lhe suceder. Meu Deus, eu te peço que tenhas pena dos homens
que na próxima grande revolução irão tentar outra vez destruir Tua imagem,
lembra-Te que os filhos deles hão de restaurai-a com maior fervor. Peço-Te que
sacies a fome do pobre, que anules o tédio do rico e que faças o homem voltar a
sua vocação inicial. E Te peço que consumas o mais depressa possível o
miserável poeta que tenho sido, para que não fique poema sobre poema, pois
estou ansioso para me abrigar a luz eterna da Tua imutável, da Tua definitiva
Poesia! "
*****
Citado por JORGE DE LIMA. A
mística e a poesia, Revista “A Ordem”, Setembro de 1935, n. 62, p. 225-226.
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