Dom Marcos Barbosa O.S.B*
Maria e
José atravessam a cena. A cada um dos sonhos ela se inclina um instante sobre o
ombro do carpinteiro. Numa representação com mais personagens, um foco de luz
poderá deixar por alguns instantes o santo casal e focalizar, mais ao fundo, o
que será descrito no sonho seguinte, como o oferecimento dos anjos e dos reis,
e dança dos pastores, e o lugar do presépio.
José
Maria,
tão calada,
na
noite fechada,
no
frio da noite...
Dize:
ainda está vivo o teu filhinho?
Ainda
o sentes mover como a ave em seu ninho?
Como
a criancinha no berço?
Maria
José,
José,
eis
que de novo adormeço,
enquanto
paraste um pouco para tomar alento...
E...
quanta coisa sonhei neste momento!
Foram
anjos, José, multidões de anjos...
Formaram
com suas asas um imenso palácio
querubins
e serafins,
tronos
e potestades.
Música
maravilhosa partia daqueles que tinham na mão seus instrumentos,
e
a música perdia-se no vento,
e
o vento era música...
E
as asas dos anos eram como um dossel imenso.
E
as nuvens,
as
nuvens de incenso
subiam,
subiam...
Um
deles trouxe um pequenino altar,
que
era o próprio sol,
e
me disse:
“Ó
bela filha dos homens,
cuja
beleza os anjos invejam,
coloca
nesse escuro berço e trono o teu filho!”
E
então o meu filhinho,
que
ainda não nascera,
disse
baixinho,
baixinho:
“Não,
não quero o sol,
não
quero nascer como um Deus;
prossegue
o caminho”.
E
eu despertei, e sumiram os anjos...
José
Maria,
pobre Maria, já não podes mais caminhar...
Vamos
parar de novo um instante.
Inclina
de novo a tua fronte no meu ombro,
e
eu prenderei a respiração
para
não despertar-te...
Ela
dorme... Já está dormindo.
Como
deve estar fatigada
na
noite fechada,
na
noite cansada...
Maria
José,
adormeci de novo
e
de novo sonhei!
Em
tão rápido instante,
imagina
o que vi!
Não
estava agora no fulgor do céu,
mas
uma caravana bimbalhante
de
guizos e de sinos
se
aproximava.
Havia
nela, entre os demais, três camelos enormes.
E
quando cada um desses chegava
bem
perto de mim,
o
rei que o montava descia
e
vinha prostar-se aos meus pés.
E
me diziam: “Por quem és,
põe
o teu filho, logo que nasça, neste trono”.
Pois
um trazia um trono,
outro,
uma almofada,
outro,
um dossel...
Mas
o meu filhinho, nesse momento, disse baixinho:
“Mãe,
ainda que já não possas mais caminhar,
continua,
continua o caminho.
(Que
mérito terão os homens em acreditar que eu sou rei, se deste modo nascer?)
José
Maria,
nós somos descendentes do Rei Davi...
Como
me dói ver-te assim sem nada,
na
noite fechada!
Dize:
ainda vive o teu filhinho?
Maria
Oh,
agora, nada sinto, José,
apenas
que os meus olhos de novo se fecharam,
e
sonhei...
José
E
sonhaste?
Parece
incrível, em tão breve minuto!
Sonhei...
José
Eu
te escuto.
Maria
...
que não era no céu,
nem
mesmo na estrada,
mas
no verde campo entre os pastores.
Bem
sabes que eu gosto dos pastores.
Havia
uma pequenina como Bernadete;
outra,
como Lúcia.
Pastores,
pastoras, pastorzinhos.
Todos
cantavam, dançavam, rezavam.
Tinham
coroas de flores na cabeça.
e
as ovelhinhas dançavam com eles,
em
torno deles,
como
uns cordeirinhos de Deus,
como
uns inocentinhos cujo sangue fosse ser derramado,
e
que antes de morrer
dançassem...
E
então, de repente, eu entendi o que os pastores cantavam,
que
aquela festa toda era para mim,
esses
cantavam: “Já nasceu
o
Menino Deus;
vinde
adorar,
vinde
vós, pastores!”
Então
um deles disse: “Não, ainda não nasceu;
vai
nascer agora mesmo.
E
terá frio,
o
frio da noite.
mas
paremos o bailado,
que
as ovelhas todas se exprimem,
vamos
agora tosquiá-las
no
lugar e na neve.
E
façam, assim, as pastoras um tecido bem leve
e
bem quente...”
E
com uma pressa surpreendente,
puseram-se
os pastores a tosquiar
e
as pastoras a tecer e fiar,
enquanto
só as criancinhas continuavam dançando,
cordeiros
inocentes.
E
elas trouxeram,
logo
que ficou pronta,
mantilha
alvíssima de lã,
que
parecia uma toalha de altar:
“Quando
o teu filho nascer,
coloca-o
aqui;
nós
o embalaremos nessa toalha
como
numa rede.
Pois
eis que ele já vai nascer”.
Mas
ainda ouvi a voz do meu filhinho,
que
exultava no meu seio, mas dizia:
“Não
quero vir como um Deus,
nem
como um rei,
nem
nascer como um pastor”.
José
Por
favor, Maria,
não
te fatigues tanto, falando!
Belém
todinha se fechou.
Não
encontramos onde pousar,
onde
pousares o teu filho...
Ele
não tem, como as raposas, onde repousar a cabeça...
Maria
José,
eis que de novo adormeci,
e
sonhei, e estou sonhando
estarmos
numa gruta
sem
asas de anjo,
presentes
de reis,
música
de pastores...
Uma
pobre gruta vazia...
Não,
não vazia!
Há
algo de morno e espesso que dorme a um canto,
mas
que não mete medo,
que
infunde até, com o seu ressonar, uma sensação de paz.
É
um boi.
E
mais atrás,
mais
negro ainda,
um
burrinho...
Eles
despertam...
Parecem
gente,
parecem
inteligentes,
e
vêm prostrar-se junto de uma espécie de caixa cheia de feno.
Com
o seu focinho, o burro parece querer indicar que oferece aquele lugar.
E
o boi parece
dizer
o mesmo sem palavras.
José
Não,
Maria, não estás agora sonhando.
Chegamos
de fato a uma gruta,
transformada
em estábulo,
habitada
por um boi e um burro...
Maria
José,
José,
ouço
agora um sussurro...
José,
José, nem mais um passo!
Sinto
agora o meu filho
estremecer
de novo em meu regaço.
Ouço
a voz do meu filhinho
dizer
baixinho,
baixinho:
“É
aqui!
É
aqui!”
José
Não
quis nascer como Deus,
não
quis nascer como rei,
não
quis nascer como pastor,
quis
nascer como pobre...
Maria
É
aqui!
É
aqui!
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*Publicado na Revista
A Ordem, n. 6, dezembro de 1960, p. 369-374.