quinta-feira, 23 de agosto de 2018

A SÃ EDUCAÇÃO


“Procuramos colocar o educando dentro de uma concepção de vida nitidamente patriótica e cristã formando-o no respeito à tradição nacional, a Deus e à família, de que fizemos o centro do desenvolvimento da personalidade humana, cuja dignidade defendemos a todo transe. É preciso evitar as tendências ecléticas, o confucionismo pedagógico, a preocupação de uma erudição livresca e suntuária, para nos dedicarmos a um só ensino – esse que forma o caráter, a personalidade, a vontade e a inteligência dentro do conceito espiritual da vida e das finalidades metafísicas do homem”. 

Nilo Pereira. O seminário pedagógico, Revista A Ordem, 1938, n. 91 p. 51.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

LONGE DOS OLHOS DE DEUS NÃO SE CONSERVAM PUROS OS CORAÇÕES


O coração que desabrocha é o que há de mais belo na criança. Il est si beau l'enfant avec son doux sourire (V. Hugo). Que candura naqueles olhos inocentes. Como sustentam abertos e serenos e sem pestanejar o olhar penetrante e investigador das mães que descem até às profundezas da alma! Que espontaneidade de sentimentos, que sensibilidade e que ternura! Belo, porém, como uma rosa que desabrocha, o coração infantil é delicado como um lírio. Para conservar-lhe a candura virginal, só uma atmosfera religiosa. Longe dos olhos de Deus, longe da hóstia imaculada, não se conservam puros os corações. Bem cedo, o vício precoce passa, como o vento abrasado do deserto crestando toda aquela vida em primavera. Nos olhos empana-se o brilho da inocência; morre-lhe nos lábios o sorriso da alegria, o coração fecha-se numa melancolia taciturna. A alma já não encontra entusiasmos que ecoem simpáticos aos sentimentos nobres.

Padre Leonel Franca. A formação da personalidade, Rio de Janeiro: Agir, p. 31.




quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O POBRE


Dom Marcos Barbosa O.S.B*

Maria e José atravessam a cena. A cada um dos sonhos ela se inclina um instante sobre o ombro do carpinteiro. Numa representação com mais personagens, um foco de luz poderá deixar por alguns instantes o santo casal e focalizar, mais ao fundo, o que será descrito no sonho seguinte, como o oferecimento dos anjos e dos reis, e dança dos pastores, e o lugar do presépio.

José
Maria, tão calada,
na noite fechada,
no frio da noite...
Dize: ainda está vivo o teu filhinho?
Ainda o sentes mover como a ave em seu ninho?
Como a criancinha no berço?

Maria
José, José,
eis que de novo adormeço,
enquanto paraste um pouco para tomar alento...
E... quanta coisa sonhei neste momento!
Foram anjos, José, multidões de anjos...
Formaram com suas asas um imenso palácio
querubins e serafins,
tronos e potestades.
Música maravilhosa partia daqueles que tinham na mão seus instrumentos,
e a música perdia-se no vento,
e o vento era música...
E as asas dos anos eram como um dossel imenso.
E as nuvens,
as nuvens de incenso
subiam, subiam...
Um deles trouxe um pequenino altar,
que era o próprio sol,
e me disse:
“Ó bela filha dos homens,
cuja beleza os anjos invejam,
coloca nesse escuro berço e trono o teu filho!”
E então o meu filhinho,
que ainda não nascera,
disse baixinho,
baixinho:
“Não, não quero o sol,
não quero nascer como um Deus;
prossegue o caminho”.
E eu despertei, e sumiram os anjos...

José
Maria, pobre Maria, já não podes mais caminhar...
Vamos parar de novo um instante.
Inclina de novo a tua fronte no meu ombro,
e eu prenderei a respiração
para não despertar-te...
Ela dorme... Já está dormindo.
Como deve estar fatigada
na noite fechada,
na noite cansada...

Maria
José, adormeci de novo
e de novo sonhei!
Em tão rápido instante,
imagina o que vi!
Não estava agora no fulgor do céu,
mas uma caravana bimbalhante
de guizos e de sinos
se aproximava.
Havia nela, entre os demais, três camelos enormes.
E quando cada um desses chegava
bem perto de mim,
o rei que o montava descia
e vinha prostar-se aos meus pés.
E me diziam: “Por quem és,
põe o teu filho, logo que nasça, neste trono”.
Pois um trazia um trono,
outro, uma almofada,
outro, um dossel...
Mas o meu filhinho, nesse momento, disse baixinho:
“Mãe, ainda que já não possas mais caminhar,
continua, continua o caminho.
(Que mérito terão os homens em acreditar que eu sou rei, se deste modo nascer?)

José
Maria, nós somos descendentes do Rei Davi...
Como me dói ver-te assim sem nada,
na noite fechada!
Dize: ainda vive o teu filhinho?

Maria
Oh, agora, nada sinto, José,
apenas que os meus olhos de novo se fecharam,
e sonhei...

José
E sonhaste?
Parece incrível, em tão breve minuto!
Sonhei...

José
Eu te escuto.

Maria
... que não era no céu,
nem mesmo na estrada,
mas no verde campo entre os pastores.
Bem sabes que eu gosto dos pastores.
Havia uma pequenina como Bernadete;
outra, como Lúcia.
Pastores, pastoras, pastorzinhos.
Todos cantavam, dançavam, rezavam.
Tinham coroas de flores na cabeça.
e as ovelhinhas dançavam com eles,
em torno deles,
como uns cordeirinhos de Deus,
como uns inocentinhos cujo sangue fosse ser derramado,
e que antes de morrer
dançassem...
E então, de repente, eu entendi o que os pastores cantavam,
que aquela festa toda era para mim,
esses cantavam: “Já nasceu
o Menino Deus;
vinde adorar,
vinde vós, pastores!”
Então um deles disse: “Não, ainda não nasceu;
vai nascer agora mesmo.
E terá frio,
o frio da noite.
mas paremos o bailado,
que as ovelhas todas se exprimem,
vamos agora tosquiá-las
no lugar e na neve.
E façam, assim, as pastoras um tecido bem leve
e bem quente...”
E com uma pressa surpreendente,
puseram-se os pastores a tosquiar
e as pastoras a tecer e fiar,
enquanto só as criancinhas continuavam dançando,
cordeiros inocentes.
E elas trouxeram,
logo que ficou pronta,
mantilha alvíssima de lã,
que parecia uma toalha de altar:
“Quando o teu filho nascer,
coloca-o aqui;
nós o embalaremos nessa toalha
como numa rede.
Pois eis que ele já vai nascer”.
Mas ainda ouvi a voz do meu filhinho,
que exultava no meu seio, mas dizia:
“Não quero vir como um Deus,
nem como um rei,
nem nascer como um pastor”.

José
Por favor, Maria,
não te fatigues tanto, falando!
Belém todinha se fechou.
Não encontramos onde pousar,
onde pousares o teu filho...
Ele não tem, como as raposas, onde repousar a cabeça...

Maria
José, eis que de novo adormeci,
e sonhei, e estou sonhando
estarmos numa gruta
sem asas de anjo,
presentes de reis,
música de pastores...
Uma pobre gruta vazia...
Não, não vazia!
Há algo de morno e espesso que dorme a um canto,
mas que não mete medo,
que infunde até, com o seu ressonar, uma sensação de paz.
É um boi.
E mais atrás,
mais negro ainda,
um burrinho...
Eles despertam...
Parecem gente,
parecem inteligentes,
e vêm prostrar-se junto de uma espécie de caixa cheia de feno.
Com o seu focinho, o burro parece querer indicar que oferece aquele lugar.
E o boi parece
dizer o mesmo sem palavras.

José
Não, Maria, não estás agora sonhando.
Chegamos de fato a uma gruta,
transformada em estábulo,
habitada por um boi e um burro...

Maria
José, José,
ouço agora um sussurro...
José, José, nem mais um passo!
Sinto agora o meu filho
estremecer de novo em meu regaço.
Ouço a voz do meu filhinho
dizer baixinho,
baixinho:
“É aqui!
É aqui!”

José
Não quis nascer como Deus,
não quis nascer como rei,
não quis nascer como pastor,
quis nascer como pobre...

Maria
É aqui!
É aqui!

*****
*Publicado na Revista A Ordem, n. 6, dezembro de 1960, p. 369-374.