quarta-feira, 27 de junho de 2018

AMOR E AUTORIDADE


O amor, a simpatia, a intuição, e nunca a inteligência, têm sido os caminhos seguros, pelos quais os grandes educadores como Pestalozzi e D. Bosco conseguiram penetrar na alma misteriosa da criança.
É necessário, porém, que essa afeição mutua não seja realizada através de uma familiaridade excessiva. A adesão afetiva dos alunos não deve ser obtida à custa de uma diminuição da autoridade do mestre. Mesmo porque a doçura e a benevolência não excluem a gravidade e a firmeza. A bondade e o afeto se conciliam perfeitamente com o respeito e a autoridade. E sobretudo é preciso não esquecer que o mestre deve ser o exemplo vivo das virtudes que ele deseja despertar em seus alunos. Pois a criana na sua tendência irreprimível de tudo imitar, quase sempre encarna no mestre o seu ideal de personalidade. Daí o cuidado imenso que devemos ter com as atitudes que assumimos diante de nossos alunos. A criança é um ser sensível e vibrátil e um gesto nosso de impaciência ou de irritação poderia sacrificar o amor e a admiração de que somos alvos. E o mestre que cai do seu pedestal, dificilmente reconquista o seu lugar no coração dos alunos.
É indispensável, portanto, que saibamos aliar, em nossas atitudes e em nossos gestos, a afeição ao respeito, a bondade à justiça, a doçura à firmeza, a serenidade à energia, a benevolência à autoridade. Nessa aliança sutil reside todo o segredo da eficácia educativa e disciplinadora.
Em suma, procuremos fazer do amor a grande força motivadora da educação e da disciplina. Mas tenhamos a humildade de reconhecer que só podemos educar na medida em que nos educamos e que, sem que nos disciplinemos a nós mesmos, jamais conseguiremos disciplinar nossos alunos.
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Theobaldo MIRANDA DOS SANTOS. O problema da disciplina na pedagogia moderna. Revista A Ordem, n. 115, maio de 1941, pp. 452-453.



terça-feira, 26 de junho de 2018

A CRIANÇA TEM UMA DESTINAÇÃO ETERNA


“Constantemente surgem, na vida diária, ocasiões de orientar para o sobrenatural. Os sinos tocam? É hora da missa ou de um batismo, de um casamento ou de um enterro? Oportunidades todas para comentários significativos. Um sacerdote visita a casa? Explica-se a missão desse “homem de Deus”. Há um luto na família?  É o momento de se abordar a noção da vida futura. A visita aos doentes e aos pobres sugere conversas que levam ao aprendizado das obras de misericórdia.
A oração à mesa feita pelo pai de família, a oração da noite em conjunto (...), como se fazia outrora, são, por certo, momentos fortes do trabalho educativo.
(...)
A bondade inalterável do pai é a prefiguração do amor de Deus pelos seus filhos. O hábito de pedir desculpas pelo mal feito prepara para o arrependimento e a confissão. A intimidade das refeições é o símbolo da eucaristia.
(...)
Os pais deveriam, por esse motivo, surgir sempre, na mente que vai amadurecendo, como símbolos dos valores mais elevados. A religião, no jovem deveria estar ligada às lembranças do respeito e do amor filiais. Com esse escudo ele resiste mais facilmente às dúvidas tão frequentes no fim da adolescência.
(...)
A criança é mística; é um prazer para seus olhos fixar símbolos do sobrenatural como admirar as maravilhas da Criação Divina.
(...)
Outro meio formativo por excelência é a história. A história é a vida da criança. Todas as mães, todos os pais deveriam cultivar a arte de contar histórias e possuir um repertório rico de feitos adequados à mente infantil. As histórias mais interessantes são as da vida de Cristo, diz Gesell. O presépio de Belém, os três reis magos, os pastores, o extermínio dos inocentes, a pesca milagrosa são episódios sempre reclamados e sempre ouvidos sem fastio.
(...)
Certa mãe ensinava aos filhos a ver nos raios e nos trovões os fogos de artifício do Pai eterno. Os meninos se alegravam com as tempestades! Também não se recusavam a entrar no quarto escuro porque lá estava o Anjo a noite toda de asas abertas, montando guarda, segundo rezavam os ensinamentos maternos. Cada anjo tinha um nome, era invocado pessoalmente, e era uma presença efetiva.
(...)
O hábito da oração deve ser adquirido cedo. Oração pessoal com o vocabulário da idade. Oração que traduz louvor, agradecimento, tristeza pelos erros cometidos. Pedido de ajuda para melhor comportamento. O incentivo espiritual para a aquisição de hábitos de sinceridade e de cooperação, de respeito à propriedade alheia, de trabalho e de serviço, de bondade e de obediência, auxilia poderosamente (...) A liturgia, sempre fascinante, pode ser explicada gradativamente.

A base da educação moral e religiosa da criança é o exemplo dos pais, a influência do “caráter sobre o caráter, da pessoa sobre a pessoa”. O conselho não tem eficácia se não for vivido. As técnicas pedagógicas, por mais perfeitas, só darão resultado se informadas de alto teor de espírito cristão e traduzidas em atos no cotidiano.

Orar juntos acentua, de maneira indireta, a maior das responsabilidades dos pais e dos filhos; a de fazer servir e amar a Deus. É fator decisivo de integração do grupo familial. Reforça a autoridade dos pais. Justifica o sacrifício. É motivação – única e eficaz – para as dramáticas sublimações que a vida moderna impõe. As festas da Igreja, o estudo dos padroeiros da família, instalam tradições religiosas num plano superior às tradições familiais.

Dessa forma, ao lado do mundo das realidades humanas, vai se construindo o mundo das verdades eternas. São elas as únicas forças capazes de deter a dissolução moral que vem avançando sobre a nossa civilização materializada qual sombrio arauto da destruição. Ainda é tempo de deter o cataclisma. A recristianização da família, a orientação sobrenatural da tarefa dos educadores é a única solução para recuperar nosso mundo secularizado. Os jovens têm urgência de elaborar uma razão válida para viver. Sem um ideal superior como poderão fornecer esforço e superação, quando as tentações de prazer são tão avassaladoras? Os movimentos universais de redescoberta dos valores da vida de família são a resposta a essa exigência de recristianização. “Só há um problema”, diz Saint- Exupéry, “ é o espiritual.” Recorramos, pois, à pedagogia da consagração, ao hábito da sujeição amorosa à Vontade de Deus, para alimentar o anseio da perfeição para a qual fomos criados.”
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Maria JUNQUEIRA SCHMIDT. Educar para a responsabilidade, Rio de Janeiro: Agir, 1974, p. 27 e ss.


quinta-feira, 21 de junho de 2018

UM FRAGMENTO DE CHARLES PÉGUY


Nada é tão belo quanto uma criança que adormece a rezar, diz Deus.
Eu vo-lo digo, nada é tão belo no mundo.
Jamais vi algo tão belo no mundo.
E, no entanto, já vi muita beleza no mundo,
E de beleza eu entendo. Minha criação transborda de belezas.
Minha criação transborda de maravilhas
E são tantas que nem sei onde metê-las todas.
Vi milhões e milhões de astros rolarem sob meus pés, como as areias do mar.
Vi dias ardentes como chamas,
Dias de verão de junho, julho e agosto.
Vi noites de inverno estendidas como um manto.
Vi noites de verão, serenas e brandas, que caíram como se fossem o paraíso
Todo constelado de estrelas.
Vi os outeiros do Mosa e as igrejas que são minhas casas.
E Paris e Reims e Ruão, e catedrais que são meus palácios e meus castelos.
Tão belos que os guardarei no céu.
Vi a capital do reino e Roma, capital da cristandade.
Ouvi cantarem a missa e as vésperas triunfantes.
E vi as planícies, e vi as colinas e os vales de França,
Que são mais belos que tudo.
Vi o profundo mar e a floresta profunda, e o coração profundo do homem.
Vi corações devorados pelo amor
Durante a vida inteira
Arrebatados de caridade
Ardendo como chamas.
Vi mártires tão imbuídos de fé
Que, postos no ecúleo, resistiram como uma rocha
Sob os dentes de ferro.
(Como um soldado que resistisse sozinho a vida inteira
Por fé
Em seu general (aparentemente) ausente.)
Vi mártires flamejantes como archotes
Preparando-se para as palmas sempre verdes.
E vi, como orvalho sob as garras de ferro,
Gotas de sangue que resplendiam como diamantes.
E, como orvalho, vi lágrimas de amor
Que durarão mais tempo que as estrelas do céu.
E vi olhares de prece, olhares de ternura,
Arrebatados de caridade,
Que brilharão eternamente, em noites e noites.
Vi também vidas inteiras, do nascimento à morte,
Do batismo ao viático,
Desenrolarem-se como um belo novelo de lã.
Mas isto eu digo, diz Deus, não conheço nada tão belo em todo o mundo
Quanto uma criancinha que adormece recitando suas orações
Sob as asas de seu anjo da guarda
E que ri para os anjos quando começa a adormecer
E que se põe a baralhar tudo e não compreende mais nada
E que mistura as palavras do Pai-Nosso com as da Ave-Maria, sem ordem alguma,
Ao mesmo tempo que um véu já desce sobre suas pálpebras
O véu da noite sobre seu olhar e sua voz.
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Charles Péguy. De "Le Mystère des saints innocents".
Tradução de Sergio Pachá.


quarta-feira, 20 de junho de 2018

PEDAGOGIA CATÓLICA


"Assim como a concepção católica da vida é essencialmente pedagógica, a pedagogia católica é essencialmente concepção de vida, isto é, não um domínio técnico, metódico e prático, sem alma, mas um domínio de princípios, de ideias, de ideais, de valores e de verdades de vida, um domínio de problemas profundamente humanos e de interesses altamente sagrados. A educação, aqui, não é uma simples adaptação ao meio, à cultura, à comunidade, a o povo ou ao Estado; não é um simples estudo do que se ignora; não é um simples treino para um ganha-pão, um desenvolvimento físico, uma formação de inteligência ou da vontade; não é um simples afinamento exterior. A educação, aqui, se dirige ao núcleo interior, visa a transformação interior do homem, sua iniciação na verdade total, sua incorporação na comunidade da Igreja, sua compreensão da verdadeira hierarquia dos valores da vida, sua cultura interior, sua salvação, sua adesão a Deus. A criança é nimbada com a aureola do exemplo: ‘se nãos vos tornardes como crianças, não entrareis no reino de Deus’. As almas de elite se consagram à obra educativa; educar torna-se uma tarefa ético-religiosa, onde são utilizados os maiores bens do mundo: a alma da criança, a Eternidade, a Verdade cristã, a Igreja de Deus”.
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Fr. De Hovre, citado por Theobaldo Miranda dos Santos. Noções de Sociologia Educacional, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1962, p. 82.



terça-feira, 12 de junho de 2018

CULTIVAI O SENTIMENTO DA HONRA E FAZEI O BEM


“(...) cultivai o sentimento da honra e fazei o bem.
Cultivai a honra. Exortação altamente cristã que eu fui colher nos lábios de um grande Papa, "Agnosce, christiane, dignitatem tuam" ; lembra-te, cristão, da tua dignidade .
Acima de tudo, pequeninas bandeirantes, prezai a vossa dignidade de cristãs. Esta nobreza do coração é infinitamente mais preciosa que a aristocracia dos pergaminhos. Ela vos há de inspirar sempre a delicadeza de sentimentos. Delicadeza de sentimentos é aversão instintiva a tudo o que é vil e ignóbil, a tudo o que degrada, a tudo o que pode empanar a pureza das inteligências e orações, da imaginação e dos sentidos.
Delicadeza de sentimentos é ainda horror a tudo o que é trivial e comum, nos gestos, nas palavras, nas ações, nas atitudes.
Delicadeza de sentimentos é mais, é sensibilidade viva a tudo o que é belo, a tudo o que é grande, a tudo o que é nobre; é o desejo de dedicação e de sacrifício, o entusiasmo pelas grandes coisas, a generosidade em imolar-se pela felicidade dos nossos irmãos.
Cultivai assim a honra e a delicadeza dos sentimentos cristãos e tereis acendido a chama interior que alimentará a vossa caridade ativa que resume o vosso decálogo – o fazer bem. A bondade é de sua natureza expansiva. As almas boas irradiam o bem, naturalmente, como as flores exalam o seu perfume.
Irradiai o bem, em torno de vós, ativamente, continuamente, generosamente. Cada ação boa que fizerdes é mais uma alegria que sorri na terra, é menos uma dor que chora.
Do pecado, cedo ou tarde nascem lágrimas; só a virtude é mãe de felicidade verdadeira.
Felicidade no curso desta vida, envolvendo a consciência contra as vicissitudes dos acontecimentos, numa atmosfera interior de paz imperturbável. Felicidade na preparação ativa e eficaz de um futuro melhor.
Sai o semeador, pelos fins do outono e confia a sua pequenina semente à terra humilde e obscura.
Sobrevém o inverno. Aqui, nas nossas regiões montanhosas, a gaza de uma bruma espessa, além, em outras zonas, lençóis de neve parecem amortalhar tudo em fúnebre sudário. Mas o germe de vida não perece. Deixai que a natureza desperte aos primeiros sóis de primavera e vereis, como por encanto, os prados esmaltarem-se de flores, os pomares opulentarem-se de frutos, as searas acariciadas pela brisa, ondearem louras para a messe. E o lavrador, num olhar de complacência, contempla o fruto dos seus trabalhos e abençoa as fadigas que, num momento, lhe pareciam estéreis.
A quadra da semeadura é a vida presente. Com gesto esplêndido e liberal esparzi, ainda entre as lágrimas do sacrifício, as sementes das boas ações. Um dia, estai certas, estas lágrimas cristalizarão em brilhantes de fulgor inextinguível, estas sementes germinarão nos encantos de uma primavera eterna, nas opulências de um outono sem termo.
E neste dia que não conhecerá ocaso, entre os esplendores de uma vida melhor, abençoareis em hinos de reconhecimento e de amor a hora bendita em que vos filiastes entre as bandeirantes do Sagrado Coração de Jesus onde aprendestes a praticar a virtude com fidelidade desinteressada, com entusiasmo sem intermitências, com a nobre generosidade das almas profunda e sinceramente cristãs .
Rio, 5-IX-1927
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Padre Leonel FRANCA. A formação da personalidadeRio de Janeiro: Agir, 1954,  p. 242-244.
Pe. Leonel Franca (1893-1948)

O HOMEM QUE É VERDADEIRAMENTE HOMEM


“O homem que é verdadeiramente homem, isto é, que não degradou as suas energias espirituais, e as manteve acesas como uma chama sagrada, este homem nunca hesita em face dos tremendos conflitos, das reações, das resistências, que a vida amarga lhe opõe. Enfrenta-os com decisão e coragem, porque vai armado do grande amor, que é o misterioso fervor íntimo dos criadores e dos heróis, da grande fé tranquila, que é a misteriosa certeza que têm os heróis e os criadores de que o espírito nasceu para destinos imortais. No caminho, há o sorvedouro da lascívia a atravessar, os abismos carnais da triste argila. É nesse sorvedouro que tomba sempre, para a degradação total, o ser que não é ser. O ser que é ser, porém contorna-os: vence-os sem ânsias e sem custo. E enquanto, em torno, os homens frágeis oscilam, batidos de ventos contrários de ambição e luxuria, ele fica sereno, num sorriso justo: sereno, porque sabe que a ale não o podem vencer os vendavais, e num sorriso justo porque compreende que haja os homens frágeis e lhes perdoa, porque a compreende, a fragilidade infinita. Que é que o sustenta nessa altitude firme e heroica? Que é que sustenta, em sua atitude, o gênio, os santos, os heróis? Uma força secreta, indefinível: ondas interiores de grandeza. O homem que é assim transforma em sabedoria, em bondade, em beleza - em realizações fecundas - as suas próprias dores, como sempre o fizeram os gênios, os santos, os heróis. E para esgotar-lhes, a essas dores, o veneno corrosivo, para quebrar-lhes o acento deprimente, ironiza-as, ri-se delas, "canta por entre as águas do dilúvio!".  
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Tasso da SILVEIRA. Parnasianismo e simbolismo, A Ordem, n. 74, 1937, p. 56-57. (O trecho acima transcrito trata-se de análise do autor sobre o soneto "Sorriso interior", de Cruz e Souza).


domingo, 10 de junho de 2018

O EDUCADOR CRISTÃO


“Para o educador cristão, que também é apóstolo, não deve haver maior consolação no céu - porque não há mais perfeito cumprimento de seu dever na terra - do que levar à plenitude feliz dos seus destinos eternos as alminhas em botão ou em flor que a divina Providência um dia lhe confiou à solicitude de seu zelo e às dedicações inesgotáveis de seu amor".
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Pe. Leonel Franca. A formação da personalidade, Rio de Janeiro: Agir, 1954, p. 200.