Ah! esse mundo cheio
de aflições! A gente vai andando, vai andando, e esbarra nas almas. E tropeça
nas almas. E não sabe o que fazer e o que dizer às almas caídas. E eu aqui, a
escrever; e você aí, a ler. Envergonhemo-nos, leitor.
Mundo, mundo, triste
mundo. Parece que ventou. Parece que a enorme árvore sacudida atira seus frutos
no chão. Onde estão os operários da colheita, que encham seus cestos, e que ao
entardecer voltem cantando à casa do Senhor? A gente vai andando, vai andando,
e tropeça nas almas maduras. E pisa nas almas caídas. E eu agora a escrever; e
você agora a ler; enquanto lá fora se ergue o vento do grande outono.
Como se explica,
leitor, que nosso coração não se abrase e não se consuma, que nosso sono não
encurte, que nosso zelo não cresça, não cresça mais, não cresça sempre, quando
corremos com os olhos essa imensa planície juncada de aflições?
Como se explica que
não peçamos a Deus que ainda mais nos ensine a pedir, a pedir que nos atire na
fogueira de seu coração?
Queimar por queimar,
antes no amor que na justiça. Antes aqui e agora. No dia. Na hora. No momento
de arder. No momento de dar com alegria.
Como se explica,
leitor, que não peçamos a Deus, mais e mais, que nos ensine a pedir, que nos
ensine a pedir para dar, que nos ajude a desejar, a desejar um desejo maior, e
que nos tome nas mãos, galho inútil, galho seco, e nos atire assim mesmo,
inútil e seco, na grande fogueira de se amor?
Antes queimar assim,
por aflição das aflições. Antes torcer-se na chama, dançar na chama, com
estalidos e crepitações de quem se consuma e se gaste, nas aflições!
Mundo, mundo, triste
mundo - eu aqui a escrever, você aí a ler, ó leitor - e o vento lá fora
derrubando as almas maduras!
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Gustavo CORÇÃO. Intermezzo, Janeiro de 1950. in Dez Anos (Crônicas), Rio de Janeiro: Agir Editora, 1957, p. 27.