"Minha
infância foi livre e feliz, em casa grande, casa antiga pintada de azul-claro,
com platibandas enormes e bolas de vidro no jardim. Aprendi a tabuada e a
leitura decorando e soletrando, encostado em minha mãe, pequenino e confiante,
sem interesse, sem a menor vontade de aprender. Era bom soletrar a cartilha com
o pensamento alheio, com vontade de acabar para ir ver a galinha no chôco ou
continuar um morrinho de terra.
Não havia
entre a cartilha e a galinha a relação de cumplicidade que mais tarde me seria
inculcada nas primeiras lições de coisas, quando o mundo começasse a girar em
torno de minha adolescência. Mas entre todas as coisas havia uma imensa
solidariedade porque tudo estava na casa de meu pai. Felizmente minha mãe não
tinha lido Rousseau, que a teria talvez convencido de me mandar aprender com a
galinha... não procurou me incutir o interesse pela tabuada nem me convenceu de
estar começando naqueles dias minha cidadania. Meu soletrar foi livre e gratuito,
como a galinha, como as bolas de vidro no jardim. Cada coisa tinha nesse tempo
o seu próprio direito de existir. Por isso, o mundo era muito amplo e muito
seguro... Tempo para brincar; tempo para estudar; tempo para comer. E tempo
para rezar era na hora de dormir.
-
Então,vamos rezar. Bicho é que dorme sem rezar. Padre Nosso...".
*****
Gustavo
CORÇÃO. A descoberta do Outro, Rio de Janeiro: Agir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário