sábado, 30 de dezembro de 2017

A MULHER

Tasso da Silveira

Mulher brasileira,
é a ti que eu falo.

A ti que obscuramente realizas
a mulher valorosa
da sabedoria bíblica;
a que é mais preciosa do que as pérolas das extremidades do mundo,
a em quem serenamente confiou
o coração do esposo,
a que recolhe a lã e o linho
e os tece com as suas mãos velozes,
a que se levanta noite ainda
para ordenar o longo trabalho do dia inteiro,
a que provou o azeite
e constatou que ele era bom,
e não deixará extinguir-se pela noite adiante
a chama do seu candeeiro
a que atende o mendigo à porta,
a que se revestiu de força e graça
e riu-se do dia alvorescente,
a que recebeu dos filhos
à hora do despertar
a saudação feliz...

Mulher brasileira: guardarás
ao sopro do vento uivante
esta aureola de sonho e de pureza?

Vejo que não...
Vejo que invade o teu coração desprevenido
um vago fluido de inquietação.
Vejo que já tens ao lábio
o amargor de uma queixa,
vejo que foges
ao teu destino de fecundidade...

Mulher brasileira,
a mais tocada de Deus,
a mais tocada de graça maternal
entre todas as mulheres do mundo:
aprendeste a fazer do amor o gozo efêmero.

Eras como uma terra primitiva
sobre cujo mistério
passou, fecunda, a sombra
do espírito criador,

Passou fecunda, envolta
na pulsação do humano amor.

E no espelho das águas mansas de tua alma
refletiram-se céus distantes e infinitos,
e no húmus do teu corpo
a vida germinou e floresceu.
Eras como uma terra adormecida
que a esse frêmito novo despertou
para a plenitude da alegria
- a alegria de criar...
Mas, depois, esqueceste a transcendência
do teu destino.
E distendeste o corpo fatigado
e olhaste a vida em torno,
e hauriste um sorvo de lascívia,
e achaste
que o teu esforço heroico te roubava
a doçura das horas passageiras.
E, então, tomaste a decisão mortal:
Estancar em teu ser
as nascentes do ser...

Mulher brasileira, com o sacrilégio desse gesto,
profanaste o santuário
dos destinos raciais.

Mulher brasileira, a mais tocada de graça maternal
entre todas as mulheres do mundo
não foi apenas ao transitório sacrifício
das volúpias misérrimas
que fugiste.

Foi às sagradas determinações
da Vida
foi ao sonho
de Deus...

*****
*Parte IV do poema “A exortação”, publicado na Revista A Ordem, n.31, setembro de 1932, pp. 191-192.

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