sexta-feira, 30 de março de 2018

A MESA E A CRUZ


Gustavo Corção*

À primeira vista parece que não precisa da especial comemoração da Quinta-feira Santa quem todos os dias se acerca da Mesa do Senhor com a familiaridade da doce monotonia. Precisa tanto e talvez mais do que os menos assíduos. A vida religiosa é principalmente trabalho de Deus em nós, mas também é, logo depois, trabalho nosso, colaboração de obediência que consiste, principalmente, em nos desnaturalizarmos deste velho mundo cuja figura vai passando, para nos sobrenaturalizarmos no mundo novo, na única verdadeira e eterna novidade que Jesus nos trouxe. Daí a necessidade de uma contínua e monótona perseverança combinada com a singularidade dos atos extraordinários; ou daí a necessidade de certos choques, de excepcionais descargas para quem já vive aquela perseverança.
A Semana Santa faz reavivar em nós aqueles dias benditos e únicos em que Jesus, o filho do carpinteiro, deixou-nos bem talhadas, e para sempre lavradas, as esquadrias da Mesa e as esquadrias da Cruz.
Volvamos nossa devota memória e nossa agradecida lembrança para aquelas cenas únicas que a Santa Liturgia realça. Na Quinta-feira, Jesus reúne seus discípulos em torno da mesa pascal e em tom festivo anuncia sua Paixão: “Muito desejei comer convosco esta páscoa antes de padecer.” E então, pela primeira vez na história e no mundo, celebrou-se a Santa Missa: Jesus é a vítima oferecida ao Pai, mas, agora, oculta sob o mistério do Sacramento graças ao qual a festa recobre o sacrifício cruento. Mais tarde, depois do Calvário e da Cruz, cada Missa repetirá o mesmo sacrifício incruento, mas então tanto a Vítima como o Sacerdote estarão encobertos sem estarem menos presentes do que estiveram no dia da Mesa e no dia da Cruz. Ceia, Calvário, Missa são o mesmo e único Sacrifício latrêutico, eucarístico, propiciatório e impetratório.
Na Quinta-feira Santa a Igreja rememora mais vivamente a Ceia e a ardente amizade divina com que Jesus se despede dos doze. Observemos desde logo que esta primeira Missa do mundo tem algo de reservado e de fechado, a par da solenidade dos aprestos, e da maravilhosa improvisação do Lava-Pés. Não é para o Povo de Deus que Jesus Cristo celebra esta primeira Missa. Já nesse tempo passava da centena o número flutuante de seguidores de Cristo, mas não é para todos, para o Povo de Deus que a Ceia é oferecida, embora desde então se destinassem a todos os frutos da Ceia. Cristo instituiu o Sacramento da Eucaristia, e deixou formado o núcleo do sacrifício incruento das futuras missas, na presença dos doze, para que eles depois repetissem até o fim do mundo: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós; fazei isto para celebrar a minha memória”. Insistamos em dois pontos para bem assinalar a ordem, a hierarquização tão fortemente marcada na Ceia do Senhor: primeiro, a absoluta e infinita prevalência de Jesus, um só celebrante; segundo, a seleção dos doze como primeiros coletores e como inventariantes do tesouro legado por Jesus. A hora do povo virá depois, e caberá a cada um dos descendentes dos apóstolos reunir em torno de seu báculo as ovelhas de Cristo.
Houve depois do Concílio muitos abusos doutrinários tendentes a mostrar a Missa de baixo para cima, e tendentes a derivar a Missa diretamente da Ceia, com esquecimento do caráter sacrifical, e conseguintemente com desapreço do Sangue preciosíssimo por nós derramado. Pode-se, sem dúvida, dizer que, na linha da causalidade formal, a Missa deriva diretamente da Ceia, e o Altar deriva da Mesa; mas, na linha da causalidade eficiente, ambas, a Ceia e a Missa, derivam do Sacrifício da Cruz que é para nós usina das energias espirituais que precisamos para realizar a desnaturalização do novo mundo que já aqui e agora começou para nós pelos trabalhos de Jesus.
Sirva-nos esta Quinta-feira Santa para plantar em nossa alma esta idéia fecundíssima: quando pisamos os degraus da Igreja e nos acercamos do Altar, nós, efetivamente, realíssimamente, saímos do velho mundo, e entramos nos átrios da Pátria verdadeira onde Jesus, no seu tabernáculo, a cada um de nós saúda com palavras de abismal ternura: “Desejei tanto que viesses comer comigo esta páscoa ...”
E sirva-nos esta Sexta-feira Santa para nos relembrar com novo fulgor que é na Cruz, e só na Cruz, que convém gloriarmo-nos. Desde muitos séculos, até os astrônomos, que são homens inclinados a vadiações especiais e a certo desdém pelo planeta Terra, tiveram a idéia de representar nosso planeta por uma esfera com uma cruz cravada em seu pólo. O mundo moderno fez o possível para extirpar esta esquisita excrescência que lembra tantas transcendências, e que anuncia a espantosa novidade que é o Cristo Jesus, diante da qual todas as novidades do velho mundo exausto têm cor de cinza e gosto de palha.
E para ainda mais nos espantar, foi nos próprios meios eclesiásticos, hoje transformados em coudelarias dos cavalos de Tróia, que surgiu a contestação da Cruz. Traga-nos Deus, nesta Sexta-feira Santa, um novo ânimo sobrenatural para adorarmos o santo lenho de onde pendeu nossa Salvação.
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*O GLOBO Quinta-feira, 23/3/78


quinta-feira, 29 de março de 2018

QUINTA-FEIRA SANTA!


Gustavo Corção*

“Nós, porém, nos gloriamos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa salvação, nossa vida e nossa ressurreição...” (Gal. VI, 14). Estas palavras do Apóstolo Paulo, que estão no Intróito da Missa de hoje, dão-nos o diapasão, o fundamental para afinação de todos os muitos movimentos de nossa alma. É sabido que a teologia paulina é tecida de confrontações, de noções conjugadas em tensão dialética, de proposições que viram pelo avesso os critérios do mundo. Temos assim as dialéticas fraqueza-força, carne-espírito, homem exterior-homem interior, velho-novo, dor-alegria; mas nenhuma das grandes fórmulas paulinas afronta, ofende tão violentamente o sentir do mundo e da carne como este de hoje, que gira em torno daquilo em que nos gloriamos. Diga-me em que te glorias, e eu te direi quem és. O homem que vive segundo “as coisas velhas”, sem se aperceber que em Cristo tudo é novo, e o mundo se transfigurou na “nova criação”, gloria-se no prestígio, nos êxitos temporais, no progresso, no desenvolvimento econômico, nas coisas que, na sua ordem, merecem atenção e zelo, mas não merecem os títulos de glória que lhes damos, e muito menos o zelo prioritário que lhes conferem hoje tantos homens da Igreja. Nós outros, porém, nos gloriamos na cruz de Nosso Senhor.
Pela glória colocada em si mesmo o homem se perdeu; pela glória devolvida a quem de direito salva-se o que estava perdido; e para essa devolução, para essa revulsão, diria até para essa revolução, nenhum instrumento é mais eficaz do que a cruz de Nosso Senhor. Por isso, nós nos gloriamos nela, ao arrepio de todos os valores que o mundo tenta nos impor.
O cristianismo é essencialmente uma transfiguração, uma travessia, uma páscoa que se efetua e se consuma dentro de nossos corações; quem não percebeu isto, ou quem abandonou essa divina subversão que os loucos chamam de loucura, e os alienados chamam de alienação, não pegou a ponta da meada, ou perdeu-a no emaranhado de novidades superficiais que o mundo trouxe para encobrir a Novidade essencial e única. Isaías profetizou: "Não penseis mais nas coisas velhas, nem cuideis das passadas! Eis que vou realizar algo de novo. Já está brotando: Não o notais? Sim, eu traçarei pelo deserto um caminho e através do ermo lançarei o sulco de um rio" (XLIII, 18). O Cristo cumpriu na cruz as promessas anunciadas, e o Apóstolo as anuncia como realidades presentes no mundo: "Quando alguém está em Cristo é uma nova criatura, e pode-se dizer: o que era velho desapareceu, vede, tudo é novo!" (2 Cor. V, 14).
Mas na Quinta-Feira Santa o grito paulino ganha na Igreja uma significação mais completa: a glorificação na cruz não tem somente a significação peregrinal de aceitação da fraqueza, do sofrimento, da agonia, como aberturas do céu; tem sentido mais brilhante e mais transfigurado. Nesta cruz de hoje, no seu lenho, no seu símbolo, nas suas esquadrias, vemos a mesa da Ceia do Senhor onde, antes do sofrimento na cruz, está anunciada e representada a imolação. Não há quadro mais belo na história do mundo. Não há mais viva penetração de eternidade no mundo. O céu violou a terra, e plantou num instante, entre os seu elementos, e entre os passos incertos do homem, esse acampamento de festa divina. "Um rei celebrou as bodas de seu filho..." E a festa do céu se realiza na terra.
Hoje é relativamente fácil gloriarmo-nos na cruz, porque nela vemos a mesa da Eucaristia inaugural, da primeira missa do mundo.
Amanhã, diante do espantalho pregado num poste, fora dos muros da cidade, será mais difícil acompanhar a estranha alegria do Apóstolo. E depois, depois de amanhã, e depois de depois de amanhã, quando entrarmos na rotina dos dias iguais, e quando a Ceia Sagrada se nos apresenta como Missa, que um de nós, com mãos ungidas repete pela milionésima vez, tentando este ou aquele romper a monotonia de vinte séculos com alguma novidade mais ou menos pueril, então sim, então podemos dizer que não é fácil acompanhar a estranha alegria do Apóstolo. "Nos autem gloriari opportet in Cruce Domini nostri Jesu Christi..."
Mas ainda aqui é o caso de dizer: não temos outro itinerário, outro roteiro, outro indicador de caminhos fora dessa cruz plantada num monte e exposta à derrisão. Os homens de nosso tempo sentem cócegas nos ouvidos e querem procurar programas de uma novidade que eclipse a novidade de Deus. Em vão, em vão procurarão. É o caso de lhes perguntar como Pedro perguntou entre fiel e aflito: "Aonde iremos? Quem nos dirá palavras de eternidade?
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                                                                              O GLOBO  11/4/68



QUINTA-FEIRA SANTA


Gustavo Corção*

A vida cristã vista com os critérios do mundo parece um disparate; e quanto mais perto seguirmos as pegadas de nosso Salvador mais bem fundada parece a exclamação do Apóstolo: — “Escândalo para os judeus, loucura para os gentios.”
Eis que nesta semana e especialmente os dias da ceia e da Cruz parece concentrar-se um trágico divino que ultrapasse todos os trágicos humanos. Na 5ª Feira Santa, efetivamente, Jesus desvenda o mistério central de sua obra redentora. Ela será realizada por um Sacrifício — sacrifício único mas de três modos espantosamente diversos representados — em que Cristo Sacerdote, Verbo Incarnado, oferece ao Pai seu próprio corpo e seu próprio sangue, isto é, oferece ao Pai o Cristo–Vítima para a salvação dos homens.
Os três modos de apresentação do mesmo e único sacrifício são: a Ceia, em que o Cristo, ainda em sua santa humanidade, ele mesmo com as próprias mãos, consagra o pão e o vinho que, por um portentoso milagre, maior do que o de toda a Criação, se transubstanciam e sob as espécies dos sinais sensíveis, nos trazem a presença real de Cristo vítima por nós, desde a ceia oferecido em Sacrifício sob os véus do sacramento.
Detenhamo-nos a meditar um pouco — e que Deus nos ilumine — em certos aspectos da Ceia que merecem especial atenção. Em artigo anterior chamamos a atenção para o caráter de obra-feita, de obra longamente preparada, desta cerimônia que emenda solenemente o Antigo no Novo Testamento. É em Lucas XXII, 7 a 13, que assistimos aos últimos arremates deste cerimonial comandado pelo próprio Jesus. Não sei quantas vezes o termo ide e preparai, preparar, preparativos, mostram bem que o espantoso desenlace no opróbrio da Cruz em todos os seus pormenores foi comandado pelo artífice de nossa salvação. E é em Lucas XXII, 14 e 15, que chegamos à cena que dificilmente um coração católico pode evocar sem profunda compunção e sem um ardente desejo de voar ao encontro daquele ardente desejo que Jesus agora anuncia: — «Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa». Começa nesse ardente desejo a Paixão de nosso Salvador. Na Cruz, como tantos autores espirituais o assinalam, Jesus repete, no extremo desconforto de uma dor inimaginável, a mesma sede de almas, concentrado naquele grito que a Sagrada Liturgia expressa na palavra; — Sitio.
Uma nota se impõe à nossa atenção à medida que a cena da Divina tragédia se desenrola naquele cenário cuidadosamente escolhido para a solenidade. Naquele tempo Jesus já era bem conhecido e já contava centenas de seguidores mais ou menos assíduos. No Domingo anterior fora aclamado pelo povo de Jerusalém: “Hosana! Bendito aquele que vem em nome do Senhor! Rei de Israel!”(Jo XII, 13 a 21). As expressões «muitos estenderam seus mantos» sugerem uma apreciável multidão. Ora, naquele instante máximo Jesus fez questão de estar só com os doze como que para mais condensar, e até ouso dizer, para melhor segredar o mistério sagrado da vida profana. Deste arcano e desta segregação resultaria uma maior firmeza nuclear no centro da Igreja. E se essas reflexões são realmente irrefutáveis, concluímos aflitos que as infelizes reformas litúrgicas, especialmente no que concernem à Santa Missa, exibem um espírito que dificilmente se coaduna com o que nos enche a alma diante da ceia.
Fugindo à idéia de Sacrifício, pouco aceitável na ONU, e procurando maior apoio na Ceia, os autores do novo missal, no infeliz Ponto 7 do Institutio Generalis apresentam a missa como essencialmente constituída «pela assembléia dos fiéis».
Por onde se vê que o extravio provocado pelo horror à Cruz, espantalho dos humanistas, em vão buscará apoio na Ceia. Exageradamente errado o famoso ponto 7 de Monsenhor Bugnini, não sendo apenas um erro material isolado, mesmo depois das serziduras e remendos, continua a bem revelar o novo espírito que alegrou Taizé e que na capa de Documentations Catholiques provocou a tenebrosa hilaridade comentada pela revista Itinéraires (n˚ 178 – Dez. 73).
Neste ponto apareceu-me o fantasma de um leitor a me reclamar o que lhe soa como uma impiedade imperdoável: aproveitar a Quinta-feira Santa para referências e comentários polêmicos.
Ora, caríssimos leitores, se o que até aqui disse provocou espanto, o que agora acrescentarei ainda mais estranho parecerá: a Quinta-feira Santa é, de todos os dias do ano, o dia mais indicado e mais propício para um artigo polêmico não somente em defesa da Santa Missa mas na denúncia dos traidores. Atrás insisti na idéia de uma esmerada preparação feita pelo próprio Senhor Jesus para a consumação de toda a dramaturgia de nossa salvação. Ora, entre as cenas preparadas pelo divino dramaturgo nós trememos diante desta obra-prima: «...Tendo assim falado, Jesus se perturbou no seu espírito e declarou em voz clara: — Em verdade em verdade vos digo um de vós me trairá. Ouvindo essas palavras, os discípulos se entreolharam sem saber de quem falava Jesus. Então, aquele discípulo que Jesus amava achava-se encostado em seu ombro; Simão-Pedro fez-lhe então um sinal e lhe disse: — Pergunte-lhe de quem fala. E João dirigindo-se a Jesus: — Senhor, quem é? Jesus respondeu: — É aquele a quem darei o pedaço de pão que vou molhar no vinho. Tomando pois o pedaço de pão molhado deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. Tendo Judas recebido o pão, Satã entrou em sua alma. E Jesus lhe disse: — O que tens a fazer faze-o logo. (...) Em seguida Judas saiu. Anoitecera».
Este quadro em que Jesus formula uma denúncia que deve ter sido prevista na sua esmerada preparação e em que entra em cena o próprio Satã vem confirmar os seguidores de Cristo nesta ousada idéia de que não há dia mais oportuno para defesa polêmica das coisas santas e denúncia dos traidores.
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  O GLOBO, quinta-feira, 15/4/76


quarta-feira, 28 de março de 2018

NO LIMIAR DA SEMANA SANTA


Gustavo Corção*

Ainda uma vez estamos nós, caro leitor, enquanto por aqui andamos, no limiar da Semana das semanas, a Semana Santa, onde a alma antes de se rejubilar com os hinos da Ressurreição, contempla e sofre a Paixão do seu Senhor.
Toda nossa vida cristã, na medida em que é cristã, deveria transcorrer diante do mesmo sistema de referências com eixos em cruz, mas Deus reconhece nossa fraqueza e confiou à sua Igreja uma soma de recursos pedagógicos para reavivar em nós o nosso nome, o nosso compromisso, o nosso fraco amor. O ano litúrgico é um recurso didático, uma espécie de sabatina, mas difere numa coisa dos métodos humanos de recordação e representação. Quando celebramos um aniversário, uma data de nascimento, de feito cívico ou de festa familiar, é só afetiva a nossa rememoração. Os personagens mortos, os dias idos e vividos não reaparecem na festa senão sob as espécies de sinal e de lembrança. Outra coisa, porém, é a recordação de um mistério divino, como esta que constitui agora a Liturgia da Semana Santa: se o Cristo não torna a descer e a se encarnar e não torna a padecer, não é menos verdadeira uma espécie de descida espiritual desta grande semana. Em outras palavras, não somos só nós, Igreja Militante, que celebramos a Semana Santa, é toda a Igreja, são todos os Santos, e acima de tudo o próprio Deus que realiza na Liturgia uma repetição efetiva, real, da Encarnação e da Paixão. 
E diante dos textos inesgotáveis, por mínima que seja a atenção, tornamos a notar o duplo aspecto divino-humano, em máxima densidade nos dias da Paixão de Nosso Senhor. Tudo o que aconteceu naquele tempo, que ficou registrado nos Evangelhos, tem a marca de um contraste tremendo que Deus ao mesmo tempo exalta e aplaina. Em nenhum outro ponto do Evangelho é tão evidente a transcendência da obra de Cristo, e a sua divindade; mas também em nenhum outro ponto é tão evidente o caminho percorrido pela Misericórdia até as profundezas de nossa miséria. Na leitura de todo o Evangelho antes destes textos de concentração máxima, aqui e ali, se nota o peso da carne, diria até o leve peso da carne na vida de Jesus. Aqui ele tem fome, acolá diz-se cansado. Aqui freme de cólera diante dos vendilhões do templo ou diante da hipocrisia dos fariseus, e acolá chora diante do amigo morto. Mas nas vésperas da Paixão, já diante da Ceia, a atmosfera de paixões se adensa. No Evangelho de Marcos, a Ceia da Quinta-feira Santa começa logo, quase diria ao levantar-se o pano, com uma conversa dramática: “E quando estavam à mesa e comiam, disse Jesus: - Em verdade vos digo que um de vós, que come comigo, me há de entregar”. E então os discípulos ficaram perturbados e começaram a dizer: “Sou eu?” e começaram a se gabar: “Ainda que todos se escandalizem a Teu respeito, eu não me escandalizarei”. E assim se vê que a festa tranqüila, a refeição de amizade, se carrega de tragédia. E nós sentimos ao mesmo tempo a infinita distância, e a infinita proximidade do Verbo Encarnado em todos os passos da Semana Santa. E se em cada episódio ganha realce a tristeza de nossa miséria, acentua-se também, pelo interesse de Jesus por nós, a nota de nossa dignidade. E assim, quando estivermos inclinados a desanimar de nossa humanidade temos o Cristo Crucificado a nos ensinar do alto da Cruz, “ex-cathedra”, o fundamento de nossa religião, de nossa metafísica, de nossa moral, de nossa política.
Às vezes nos escandalizamos quando vemos dentro da Igreja agitações, perturbações, divisões, parecidas com aquela que existiu e que ganhou singular destaque na Quinta-feira Santa em torno da Ceia. E até pensamos que seja virtude calar, quando alguns dão público espetáculo de seus desatinos, como se pudesse haver alguma vantagem em tornar visível aos olhos do mundo somente este aspecto triste, com o risco de alguns pensarem que os demais aspectos da Igreja são do mesmo quilate. A Liturgia da Semana Santa mostra, por assim dizer, a enorme franqueza com que a Igreja publica, cantando, os estremecimentos, os desentendimentos, as traições. Não se escandalizem, pois, os que descobrem, como se descobrissem a pólvora, que o drama continua, e que é diante do mesmo Cristo Crucificado que nós continuamos a clamar pelos séculos e séculos, movidos por nossa insegurança, por nosso sentimento de culpa, por nosso fraco amor: “Sou eu?”, “Sou eu? Eu não me escandalizarei ...” É claro que nós gostaríamos de ter maior entendimento, sobretudo com os mais próximos; é claro que nós lamentamos, que nós choramos, que nós sonhamos com uma paz e uma unidade aqui mesmo neste vale de lágrimas; é claro, claríssimo, que nem por ser permanente o drama da Paixão, devemos descuidar-nos de lutar por uma concórdia maior dentro da Igreja. Mas a grande lição da Semana Santa é a da confiança total posta no mérito do Cristo e na obra de redenção, da qual se tira um conforto sobrenatural, que não se parece com as fórmulas usuais de conforto que o mundo pode dar. Nossa religião é de Cruz: gloriemo-nos na Cruz de Nosso Senhor.
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 *O GLOBO Sábado, 18/3/78

segunda-feira, 26 de março de 2018

A SEMANA SANTA


Gustavo Corção*
  
A comemoração litúrgica da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que na dor consumou nosso resgate, é uma lição repetida, é uma sabatina dos dois lados essenciais de nossa vida: o lado Cruz em que Nosso Senhor assumiu todas as nossas dores, convidando-nos a assim nos associarmos à sua obra, e descarregou com seu sangue a tensão de inimizade entre o homem e Deus; o lado Ressurreição com que ultrapassa tudo quanto poderíamos desejar. Para descrever o contraste da obra redentora São Paulo nos diz que “onde abundou o pecado superabundou a graça”, de onde poderíamos tirar várias conclusões de júbilo transbordante: onde abundaram tristeza e lágrima, superabundou a alegria. Ainda vemos essa alegria da Glória no lumem fidei, na lamparina da Fé que nos mostra tudo em sinais enigmas; mas um dia, se não opusermos a nossa vontade à vontade de Deus, veremos tudo o que estava escondido, e tudo resplandecerá no lumem Gloriæ.

O “mundo inimigo” que é o mundo, mas é um mundo, um Reino com seu Príncipe, e com seus clérigos nos trânsfugas que querem fundar a “nova Igreja”, que é uma anti-Igreja, a pretexto de exibir um humanismo interessado pela sorte temporal do homem, despreza a Páscoa do Senhor nos seus dois temos essências, na agonia da Cruz, e na Ressurreição.

A aliança que Deus nos propôs, por cujos termos toda nossa vida tem de se inserir entre a aceitação da Cruz e a certeza da Ressurreição, faz desta vida uma passagem, uma páscoa de valor infinito pelos seus termos extremos, sob a condição de renunciarmos aos pequenos céus frágeis e fugazes de nossa própria invenção. E é nesta renúncia do hoje horizontal, para uma entrega completa ao “hodie” vertical de vida eterna em Deus, é nesta exigência que tropeça o enorme movimento de apostasia de nossos tempos. Todos nós, ai de nós, apegamo-nos aqui e ali a um simulacro de paraíso neste mundo, mas não fazemos disto um sistema muito menos uma vanglória. Gememos, choramos, pedimos perdão 70 vezes 70.

Quando, porém, uma massa volumosa se congrega para secularizar-se, para se apegar ao mundo com grito de triunfo e com risadas de escárnio para a Casa do Pai, então não é só um recrudescimento de pecado o que vemos, não é mesmo uma heresia, “a heresia do século XX” como diz Madiran, não é só uma protestantização da Igreja isto que temos diante de uma consciência boquiaberta.

Com a característica de somar todas as heresias, esse movimento dito “progressista” é na verdade uma massificada e volumosa apostasia cujos fautores e cujos carneiros só não se afastam mais decisivamente, num último assomo de lealdade, porque hoje essa apostasia disfarçada rende muito mais do que os trinta dinheiros com que Judas comprou a corda.

Roguemos nós pelos irmãos na fé. Observemos bem que no Evangelho de São João, Nosso Senhor não desaconselha nem esconde esse amor de predileção. Depois do anúncio da traição que Jesus pronunciou com espírito aflito, Jesus se volta para despedir-se de seus discípulos, amigos e filhos: “Filhinhos meus, ainda um pouco de tempo estarei convosco; depois buscar-me-eis, e como disse aos judeus também vos digo agora: aonde eu vou não podeis vir, mas agora vos digo: trago-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei; que vós vos ameis mutuamente. E NISTO conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes caridade uns pelos outros”.

Os teólogos mais tarde ensinarão que há uma hierarquia na caridade. Neste momento de densidade infinita Jesus não hesita em dizer que seu novo mandamento consiste num amor de coesão dentro da Igreja, e já explica que esse maior amor dos fiéis, uns pelos outros, longe de ser detrimento para os outros, será sinal. “In hoc cognoscent omnes qui discipuli mei estis, si dilectionem habueritis ad invicem”. Pensando o valor deste sinal, para os outros, Tertuliano dizia: “vede como eles se amam”.

Mas no enxame de apóstatas que cerca a Igreja, os mais efusivos se apresentam como os mais bondosos e mais compreensivos do que Nosso Senhor, porque não se restringem nesse novo mandamento, e ostensivamente escolhem no mundo alheio à Igreja seus paradigmas e seus modelos de filantropia: Gandhi, Luther King, e os revolucionários Guevara e Camilo Torres. Na verdade, e como tão bem disse Marcel de Corte, esse amor abstrato pela humanidade em geral, pela classe operária, ou pelo Terceiro Mundo não passa de uma cruel falsificação do amor.

A semana da Paixão de Nosso Senhor, além de outras lições nos aviva a vigilância e a consciência de estarmos cercados de inimigos. Todas as formas da maldade do mundo têm um papel na Divina Tragédia, e não é de todos que Jesus diz: “Perdoai-os Pai, porque eles não sabem o que fazem”. Não é, portanto, para nos amolecer, e para nos tornar mais filantrópicos do que cristãos, que a Igreja realça a Semana Santa. É antes para lembrar o novo mandamento que nos tempera e nos orienta o amor.

*Revista PERMANÊNCIA, Ano VI, n° 54-55, Abril-Maio de 1973.


domingo, 18 de março de 2018

A GRANDE LIÇÃO DO CALVÁRIO


Reginald Garrigou-Lagrange O.P (1877-1964)

Fortis est ut mors dilectio: o que mais impressiona no amor de Jesus, quer por seu Pai, quer por nossas almas, é a união maravilhosa e muito íntima da mais profunda ternura e da força a mais heróica no sofrimento e na morte: Fortiter et suaviter.
Estas duas qualidades do amor estão, muitas vezes, separadas em nós e no entanto só podem viver intimamente unidas. A ternura sem a força torna-se langorosa e piegas, a força sem nenhuma suavidade, transforma-se em rudeza e amargura1.
Ninguém pode exprimir o que foi a ternura de amor filial de Jesus por seu Pai; se ele amava ternamente a Virgem Maria, quanto mais ainda seu Pai, a quem rendia perpétua ação de graças e adoração! Esta ternura sobrenatural se derramava e se derrama continuamente sobre as almas, não apenas as de um certo país ou tempo ou sobre um grupo restrito de alguns amigos, mas sobre todas as almas de todas as gerações para lhes dar a vida eterna.
Este amor de Cristo tão terno é também mais forte que a morte, mais forte que o pecado e que o espírito do mal. Foi ele que levou Nosso Senhor a se oferecer como vítima para pagar em nosso lugar, para nos salvar, dando a Deus uma reparação infinita que lhe agrada mais do que todo o desgosto causado pelos pecados: Cor Jesu, fornax ardens caritatis -- eis todas as ternuras e todas as energias do amor admiravelmente fundidas. O Coração de Jesus é assim o mais puro espelho da Misericórdia e da Justiça, as duas grandes virtudes do amor incriado de Deus.
Os membros do corpo místico de Cristo devem cada vez mais participar de sua vida para se tornarem semelhantes a Ele. A santa humanidade do Salvador nos comunica progressivamente as graças que mereceu por nós na Cruz, influxo da cabeça do corpo místico sobre seus membros. Por este influxo Nosso Senhor quer nos assimilar, cada vez mais, pelo batismo, absolvição, comunhão freqüente, cruzes ou purificações necessárias a nosso avanço, até a extrema-unção e a nossa entrada no céu. Na vida de muitos santos vê-se essa assimilação progressiva no modo pelo qual neles são reproduzidos os mistérios da infância de Jesus, sua vida oculta, depois sua vida apostólica e por fim sua vida dolorosa2.
Ora, uma das grandes marcas do espírito de Jesus em uma alma, é a reprodução nesta alma dos dois efeitos que derivam em Nosso Senhor da plenitude da graça.
Primeiro, a paz, a tranqüilidade da ordenação cada vez melhor de todos os sentimentos, de todos os quereres subordinados ao amor de Deus e das almas em Deus, amor que cresce continuamente pela influência atual de Cristo.
Em seguida, a aceitação da cruz, para seguir o Mestre, como ele disse; aceitação com paciência, do contrário a pena aumenta sem fruto; reconhecimento, pois está aí uma graça escondida, vê-se melhor quando o fardo é levado sobrenaturalmente; com amor, pois a cruz é Jesus crucificado, que vem a nós para reproduzir em nós seus próprios traços. Este amor dá o abandono e a paz. Aí se encontra a verdadeira soberania, a contemplação divina3.
O austero Luiz de Chardon diz com profundidade a este respeito, comentando São Paulo:

"Depois de termos admirado a violenta e insaciável inclinação do espírito de Jesus para a Cruz compreenderemos melhor como Ele a distribui pelas almas que lhe pertencem pelos vínculos da graça... Entendemos igualmente porque quanto maior é a elevação da alma em união com o espírito de Jesus tanto maior será sua obrigação quanto ao sofrimento... Também seria uma desordem da graça e das máximas do santo amor, se membros alimentados por confeitos estivessem ligados a uma cabeça transpassada de espinhos...
"Os membros são santificados pela mesma graça, que está em Jesus como em sua fonte universal. Ora, esta graça de Cabeça é comunicada a Jesus para a finalidade de sua missão, para que ele pague pelos pecados dos membros à justiça rigorosa de Deus. Por conseguinte, ele contrai a obrigação amorosa de sofrer provocando em seu espírito uma inclinação violenta que o transporta continuamente para a Cruz. É indispensável que esta graça incline do mesmo modo, com o mesmo rigor as almas predestinadas, a fim de que o corpo místico não pareça um todo monstruoso na ordem da graça, onde o espírito de Jesus seria contrário a si mesmo, sendo um nos membros e outro na Cabeça...
"Assim, porque a graça decorre da alma de Jesus como de sua fonte original onde ela produz um impulso dirigido para o fim pelo qual Jesus se fez homem, é uma necessidade que a graça cause esta mesma disposição naqueles que recebem a dignidade de nela participarem"4.

Este é um efeito da graça cristã como tal. A graça, por sua essência, é uma participação da natureza divina, mas, pelo fato de que nos é transmitida pelo Cristo, tem uma modalidade especial que nos configura a Ele como demonstra Santo Tomás quando pergunta se a graça sacramental, em particular a graça batismal, como tal, acrescenta alguma coisa à graça das virtudes e dos dons como a que possuía Adão antes do pecado (III, q. 62, a. 2).
Luiz de Chardon acrescenta e une assim a doutrina de um Tauler ou de um São João da Cruz à de Santo Tomás: "E porque esta espécie de graça não pode ficar ociosa em uma alma... é ávida para crescer e como só pode ter um crescimento considerável com a ajuda das cruzes... na nudez da graça, da qual suspendeu os efeitos sensíveis, Deus não abandona a alma à sua própria fraqueza. Nisto há o propósito de fazer a alma se conhecer e se desprender de si mesma... aderindo somente a Deus... A união será mais estreita e mais íntima quanto maior a separação de tudo mais.

"Daí que o mesmo amor é ao mesmo tempo princípio de vida e princípio de morte...; unindo e separando... afastando e causando adesões... A santidade de Deus comunicada a suas criaturas produz uma privação geral de tudo o que é incompatível com sua pureza imaculada5.
"Gloriosa morte... Rica de uma fecundidade divina... Morte entretanto mais cruel do que aquela que é o dever comum da natureza... pois só deixa tristes desolações nas almas! No entanto as almas bem instruídas sobre as propriedades do Amor sagrado e do fim que a santidade de Deus pretende com todas estas provações, não quereriam trocar nem por um instante seu rigoroso martírio pelas delícias embriagadoras do Paraíso, nem a cruel espera de sua morte pela feliz vida da glória"6.

É fácil ver a aplicação deste princípio na vida de Maria7. Como diz o historiador que repara o esquecimento em que caiu a obra de Chardon: "Talvez, a atividade separante, simplificante, despojadora da graça nunca tenha sido analizada com maior penetração"8.
Relendo atentamente o belo capítulo da Imitação de Cristo (1. II, cap. XI): "Do pequeno número dos que amam a Cruz de Jesus", vê-se que a marca do espírito de Cristo é a paz e o abandono no sofrimento, no acabrunhamento da Paixão, que se reproduz em diversos graus nas almas para as purificar e para fazê-las trabalhar na salvação do próximo em Nosso Senhor, com Ele e por Ele, com os meios dos quais Ele mesmo se serviu. Jesus está assim, num certo sentido, em agonia até o fim do mundo, no seu corpo místico até que este corpo místico seja plenamente purificado e glorificado, até que se realize perfeitamente a palavra do Mestre: "Venci o mundo", pela vitória definitiva sobre o pecado, sobre o demônio e sobre a morte.
Deste ponto de vista sobrenatural da fé, quando se contempla, digamos, com o olhar de Deus o que nos diz a santa liturgia, vê-se o quanto ela ultrapassa infinitamente os mais sublimes elans da poesia humana.

"Salve Crux sancta, salve mundi gloria,
Vera spes nostra, vera ferens gaudia,
Signum salutis, salus in periculis,
Vitale lignum vitam ferens omnium.

"Crux fidelis, inter omnes arbor una nobilis: nula silva talem profert fronde, flore, germine: dulce lignum, dulces clavos, dulce pondus sustinuit.
O magnum pietatis opus! Mors mortua tunc est, in ligno quanto mortua Vita fuit.
Nos autem gloriari oportet in Cruce Domini nostri Jesu Christi. Crux benedicta, nitet Dominus qua carne pependit, atque cuore suo vulnera nostra lavit".


Quando vossa alma dobrar-se sob o peso, apoiai-vos sobre vosso crucifixo.
Concluamos com São Luiz Maria Grignion de Montfort (L' Amour de la Divine Sagesse, 2a. P., cap. V):
"A Sabedoria Eterna fez da Cruz seu tesouro e em sua Encarnação esposou-a com amor inefável; durante toda sua vida, que não foi mais do que uma cruz contínua, carregou-a, pediu-a com indizível alegria... Pregada finalmente e como que colada à cruz, com alegria morreu abraçada à sua querida Cruz como num leito de honra e triunfo... E não pensem que depois de sua morte, para melhor triunfar, a Sabedoria Encarnada tenha se arrancado, tenha rejeitado a Cruz... Não querendo que honra de adoração, mesmo relativa, seja prestada a criaturas, por mais altas que sejam, como sua santíssima Mãe, reservou esta honra para sua querida Cruz e somente a ela é devida. A Sabedoria Encarnada, no grande dia do Juízo Final, acabará como o culto das relíquias dos santos, mesmo as dos mais respeitáveis; mas quanto às relíquias da Cruz, enviará os primeiros serafins e querubins pelo mundo para ajuntar os pedaços da verdadeira cruz que, por sua amorosa onipotência, serão tão bem reunidos que não farão mais que uma só e a mesma Cruz em que morreu, transportada assim pelos anjos... Precedida pela Cruz, colocada sobre uma nuvem de brilho inigualável, a Sabedoria eterna julgará o mundo com a Cruz e pela Cruz. Qual será então a alegria dos amigos da Cruz... Esperando esse dia... a divina Sabedoria quer que a Cruz seja o sinal, o caráter, a arma de todos os seus eleitos... Tendo encerrado tantos tesouros, tantas graças de vida na Cruz só dá a conhecer esses tesouros aos mais escolhidos... Como é preciso ser humilde, pequeno, mortificado, interior e menosprezado pelo mundo para conhecer o mistério da cruz! A quem carrega e suporta essa cruz, a Sabedoria Eterna dará um peso eterno de glória no céu".
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(De "L' Amour de Dieu et la Croix de Jesus", Ed. du Cerf. 1o. vol., cap. VI, pág. 255. Tradução de Anna Luiza Fleichman)

1.Ver sobre isto L. Chardon, La Croix de Jesus, 3o. entretenimento, cap. VIII, onde o autor mostra como Deus quer a ternura de suas criaturas para uni-las a sua força, e como Ele transforma esta ternura em força divina. "Ele quer que o amor intensivo caminhe na alma perfeita de par com o amor apreciativo e que a ternura dos sentimentos esteja de acordo com a preferência do julgamento".
2.Ver encíclica de Pio XI, junho de 1928, Miserentissimus Redemptor, sobre a reparação devida a Deus por todos os homens.
3.La Croix de Jesus, 1a. edição, pg. 119-121. Nova edição (Lethielleux) T. I, pg. 14, 29, 43, 136; T. II, pg. 376, 450.
4.Cf. São Luix Grignion de Montfort, L' Amour de la Divine Sagesse II P., cap. VI: "Meios de se obter a sabedoria divina: 1.) desejo ardente; 2.) prece contínua; 3.) mortificação universal; 4.) terna e verdadeira devoção à Santíssima Virgem."
5.La Croix de Jesus, ibid., pg. 125-128.
6.Ibid., pg. 146-147.
7.L. Chardon, ibid., no primeiro de seus três "entretenimentos", mostra o que foi o "amor separante", princípio de Cruz, na alma de Maria e dos apóstolos: são dez capítulos de grande profundidade sobre o martírio interior da Santa Virgem. No terceiro de seus "entretenimentos" ele descreve admiravelmente, à luz do mesmo princípio, os grandes ápices da vida interior de Abraão, de Elias, de Jacob, de Benjamin, da Esposa dos Cânticos, de Marta e de Madalena. Páginas admiráveis onde a teologia mística doutrinal aparece como o coroamento normal da teologia toda, tal como a conceberam Santo Agostinho, Santo Tomás e todos os grandes mestres. O capítulo sobre Elías (3o. entretenimento, cap. 25) é digno de nota: "Moisés dizia: "Apagai-me do livro da vida"; São Paulo pedia para ser anátema por causa de seus irmãos! Mas estes desejos não tinham outro efeito senão testemunhar o grande amor destas almas por seus irmãos... Não é este o caso de Elias. Há cerca de três mil anos que Elias está privado da visão de Deus, e estará privado até o fim do mundo, para satisfazer desejos que participam da imensidade divina... Elias está reservado... para lutar contra o Anticristo".
8.Bremond, Histoire Litt. du Sentiment Religieux en France, t. VIII, pg. 43. Não sei se Chardon leu São João da Cruz, em todo caso ele está imbuído de Tauler de quem expõe a doutrina.