Um
grave autor, escrevendo um livro sobre o martírio diz que o casamento é um,
pelas mil consumições que consigo acarreta, antes, diz ele, tenho por certo, de
muitos mártires que veneramos sobre os altares
terem sofrido muito menos, do que sofrem muitos casados e casadas. Terão
tribulações, diz
São Paulo, terão
tribulações. Quando
aquele felicíssimo e castíssimo consórcio de Maria e de José as teve, e
tamanhas,
como foram cruéis suspeitas e desconfianças, pensamentos de divórcio, mágoa da
perda do menino Jesus, e tantas outras, quanto mais agora o casamento dos
pecadores?
Portanto,
quem se casa abrace-se logo, com a sua cruz, e quando vier qualquer sofrimento,
vá dizendo: Eu já sabia. Para isto é que me casei. E fique em sossego,
paciente, resignado, possuindo sua alma na paz.
Portanto,
quem se casa abrace-se logo, com a sua cruz, e quando vier qualquer sofrimento,
vá dizendo: Eu já sabia. Para isto é que me casei. E fique em sossego,
paciente, resignado, possuindo sua alma na paz.
Evitem-se
com todo o cuidado entre casados altercações vergonhosas, polémicas ásperas,
palavras descorteses ou de desprezo; antes tratem-se sempre com suma atenção,
respeito, polidez e carinho. Que todo
azedume, cólera, indignação, rixa, maledicência, e toda malícia seja banida
dentre vós, diz S. Paulo; e ainda: Seja toda palavra boa, útil, edificante, própria
a dar a graça aos que a escutam. (Efésios IV, 31, 29.1)
Antes
quebrar por si e ter a paz, do que sustentar vãos caprichos, que metem a
desordem na família. O segredo de manterem-se os casados em santa concórdia e
constante harmonia é suportarem um ao outro os seus defeitos, não apurando
agravos, antes relevando muita cousa e, calando, quando a prudência manda calar.
A
ira é, muitas vezes uma faísca; mas diz o sábio: Se soprais a faísca, sairá dela um fogo ardente; se cuspis em cima, se
apagará; e a boca é que faz uma e outra cousa; (Ecl. XXXVIII, 14) assim a
língua acende ou abafa as contendas. Se não lhes pondes cobro, a faísca torna-se
logo brasa, a brasa labareda, a labareda incêndio. As palavras vão se
precipitando, como levadas de engenho em se lhe abrindo a corrediça. Guardar, pois,
silêncio é o melhor alvitre.
Os
que acharam este segredo vivem contentes e em paz no seu estado. Referem os
autores, a este propósito, o caso gracioso de uma coitada, que se foi queixar
mui magoada ao seu Padre espiritual dos desabrimentos do marido. "Logo que me entra em casa, disse, é
uma tormenta desfeita de impropérios e de injúrias; renovam-se todos os dias
estas cenas violentas, com grandes clamores, que atordoam e escandalizam a
vizinhança.
Ando consumida, já me é
insuportável a vida; dizei-me, Padre, o que devo fazer em tão angustiosa
situação?"
O
Padre, depois de ouvi-la com toda paciência, foi buscar um frasco de água e lho
entregou dizendo: "Esta água fará o
milagre. Todas as vezes que teu marido entrar colérico, e começar a
maltratar-te de palavras, toma um pouco desta água na boca, e aí a conservarás
até que ele se tenha calado. Verás que a água que te dou tem singular
virtude".
Fez
a mulher exatamente como lhe dissera o Padre, e observou que depois que tomou a
água na boca, a ira do marido como que se amainou mais depressa. No dia
seguinte, mesmo proceder, mesmo resultado. As cóleras do marido foram-se
tornando cada vez menos duradouras e menos frequentes, até que enfim cessaram
de todo, e reinou a paz no pobre casal.
Foi
a mulher ao Padre, toda jubilosa, agradecer o portentoso efeito daquela água.
"A água, mulher, só teve uma
virtude, e não pequena", respondeu o Padre: "foi a de fazer-te calar;
pois em quanto a tinhas na boca, não podias proferir palavra. A este silêncio,
e só a ele, deves o benefício da paz e concórdia que logras com teu marido.
"
Se
quando um se agastasse, o outro se calasse, nunca haveria dissenções nas
famílias.
*****
D. Antônio de Macedo Costa (1830-1891). O Livro da família: ou
explicação dos deveres domésticos segundo as normas da razão e do Cristianismo.
3ª ed., São Paulo: Paulinas, 1945, pp. 85-86.