Crônica de Dom Marcos Barbosa, OSB.
(14 de janeiro de 1952)
(14 de janeiro de 1952)
Chegaram os três,
caro ouvinte, um depois do outro, no próprio dia dos Reis. Vinham de terras
mais distantes que os Magos do Oriente: vinham das terras do Nada. E nada era
também o que traziam: nem ouro, nem
incenso, nem mirra, - mas três boquinhas ávidas, para somarem-se às quatro que
Salvador João de Deus Alfa vinha sustentando até então*.
Terá sido o nome tão
cheio de Natal: Salvador João de Deus? Terá sido o sobrenome de estrela: João
de Deus Alfa?
O certo é que um ou
outro atraíram, para o lar operário, os três pequenos reis sem coroa, sem
manto, sem presentes, - tão diferentes dos três reis da terra, mas tão
iguaizinhos, todos, ao rei do céu entre palhas...
João de Deus não se
afligiu. (Quantos não se terão afligido por ele?) Apenas disse umas palavras
que vieram num cantinho do jornal, mas que os anjos, em letras cintilantes,
terão gravado no céu: “Se Deus me mandou
três filhos de uma vez, naturalmente me ajudará a criá-los”.
Estamos no Século da
Criança dizem. No entanto, elas jamais foram, talvez, tão odiadas no mundo.
Vivemos sob o signo de Herodes. Mesmo aqueles que não matam as crianças antes
de virem à luz, mesmo aqueles que não se deixam cativar pelo intruso que a
contragosto lhes nasce, mesmo aqueles que tem até vários filhos, - todos
levantaram contra a criança o seu grito de guerra, - pela educação que lhe dão,
pelo modo que a ela se referem, pelo clima que a seu respeito toleram...
“Nós
faremos uma tal revolução – diz um personagem de
Dostoievsky – que tudo será destruído
pela base. Eu já disse que penetraremos até o povo. Não percebeste acaso como
já estamos fortes, extraordinariamente fortes? Nossos partidários não são
apenas os que enforcam, os que dão tiro, os que ateiam fogo às casas... Esses,
até nos atrapalham! Os verdadeiros aliados, cataloguei-os todos. O professor
que se ri, com os alunos, do seu Deus e do seu berço, é dos nossos. Os jurados
que absolvem o criminoso confesso, são dos nossos. Os estudantes que matam um
camponês para sentir sensações, são dos nossos também... Quanto aos homens do
governo ou das letras, muitos, muitos mesmo, trabalham para nós, sem que eles
próprios suspeitem”.
E não poderíamos
acrescentar, ouvinte, outros colaboradores da revolução que pretende aniquilar
a terra? Não; não nos referimos aos pais que matam os filhos ou às mulheres que
matam os maridos. Esses, até nos atrapalham: far-nos-ão, talvez parar no meio
do caminho!
Os membros eficientes
são outros. É a mãe de família que deixa a revista “O Cruzeiro” entrar na sua
casa. É o pai de família que vai se distrair com peças de teatro cujos nomes
não posso sequer pronunciar. É a mocinha que exclama, zelosamente prostituída
pela mãe, pelas tidas ou pela avó: “Deus
me livre de filhos!”
Por isso é que é um
consolo, um conforto, uma esperança, ouvirmos às vezes certas frases como as
que aqui tenho registrado, e que provam que o mundo não está de todo perdido.
Frases como a do homem do Pão de Açúcar: “Minhas
luvas são os meus calos”. Frases como a do meu amigo cedo: “Minhas filhas são o lado claro da minha
vida”. Frases, enfim, como a de Salvador João de Deus: “Se Deus me mandou três filhos de uma vez, naturalmente me ajudará a
criá-los”.
Charles Péguy nos
descreve como ele próprio um dia entregou seus três filhos à doce Virgem de
Chartres:
“Como alguém toma três crianças
no chão
e as põe ao mesmo tempo
juntas, todas as três,
nos braços de sua mãe e de sua
ama que ri
e reclama que lhe puseram demais
no colo,
que não terá força para
carregá-las,
assim, tomara, ousado pela
oração, seus três filhos,
da miséria e da doença em que
jaziam,
e os colocara tranquilamente nos
braços daquela
que carrega todas as dores do
mundo.
(Pois se o Filho tomou todos os
pecados,
Tomou a Mãe todas as dores.)
“Tomai. Eu vo-los dou. Fazei
deles o que quiserdes”;
E foi-se embora, o esperto, de
mãos abanando...”.
Salvador João de Deus
Alfa foi também um espero. Com sua frase simples e modesta, entregou seus três
filhos não à Virgem apenas, mas diretamente a Deus. Não têm os dois o mesmo
nome? “Se Deus me mandou três filhos de
uma vez, naturalmente me ajudará a criá-los”.
E Deus ficou sendo o
responsável, o pai, nesse momento, dos três filhos de João de Deus.
******
*
Notícia publicada no “Correio da Manhã” de 13 de janeiro do ano passado na
sessão “Frases da Semana”
Publicado na Revista A
Ordem, Vol. XLIX, Janeiro de 1953, n. 1, p. 62-63.
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