quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO, INTRUÇÃO E CULTURA

Gustave Thibon (1903-2001)*

A informação (palavra muito recente no sentido em que é usada hoje em dia) abarca as resenhas e notícias que nos chegam pelos jornais, pelo rádio, pela televisão, etc. Pode-se defini-la como uma instrução limitada aos acontecimentos atuais. Quais são as relações entre essa classe de instrução e a cultura? Para responder essa questão é necessário analisar as diferenças que separam a instrução em geral (tal como se dá hoje em dia) da verdadeira cultura. O dicionário, neste caso, não nos ajuda muito, já que as duas definições são quase idênticas: cultura e instrução significam aquisição de conhecimentos. É certo que, tanto na instrução como na cultura, há aquisição de conhecimentos. Mas esses conhecimentos não se situam no mesmo nível do espírito. Uma pessoa pode ser muito culta sem ser muito instruída, e pode ser muito instruída sem ser culta. Mais precisamente, toda cultura implica um mínimo de instrução, mas a recíproca não é verdadeira: pode-se ter muita instrução e não ter cultura alguma. É possível ser erudito ou “sábio” de uma maneira puramente mecânica e por efeito de uma doutrinação puramente externa. Fala-se frequentemente que um cachorro é sabido ou inteligente, mas ninguém ousa dizer que um cachorro é culto! A instrução com relação a cultura é completamente extrínseca, e não é nada mais que uma acumulação de conhecimentos; não implica necessariamente a participação intrínseca. Acrescentamos que na instrução o papel essencial é da memória, faculdade em grande parte material.
Se não se trata mais do que memória, um aparato registrador qualquer, um gravador, um disco, possui esta faculdade em seu grau máximo. É claro que um cérebro eletrônico possui muito mais memória que um homem (e consequentemente mais instrução), visto que chega a resolver problemas que exigiriam a colaboração de milhares de cérebros humanos. A cultura é outra coisa. Implica não só o conhecimento do objeto, mas a participação vital do sujeito. Recordemos que a etimologia da palavra (colere, cultivar) evoca a agricultura. Uma terra que se cultiva colabora com a germinação e crescimento dos grãos. Há participação da terra na transformação dos grãos em plantas. A instrução, como tal, é tão estranha à vida profunda do homem, que usamos na maior parte das vezes termos materiais para designá-la. Falamos, por exemplo, da “bagagem intelectual” que queremos dar a nossos filhos, o que indica muito bem o caráter extrínseco da instrução. Nesse mesmo sentido, falamos em “encher a cabeça”. Muitos estabelecimentos escolares não têm outro sistema pedagógico além desse, e neles, a formação humana dos alunos é sacrificada a este tipo de “inchaço cerebral”. Aparece assim uma primeira diferença: a instrução é extrínseca, a cultura é intrínseca. Em outras palavras, diremos que a instrução é impessoal e a cultura é pessoal, quer dizer, integrada à vida peculiar do indivíduo. Talvez haja a mesma diferença entre o homem instruído e o homem culto que entre o geógrafo e o explorador. O geógrafo conhece maravilhosamente o mapa e todos os lugares que estão nele marcados: cidades, montanhas, rios, oceanos, etc. O mapa não é mais que um decalque abstrato e impessoal das paisagens terrestres. O explorador visitou os lugares; talvez tenha conhecimentos menos extensos que o geógrafo, pois não foi possível a ele visitar todos os territórios indicados no mapa, mas de todos os lugares que percorreu, guarda um conhecimento saboroso, particular e direto, que nasceu e morrerá com ele. A instrução, como tal, não comporta diferenças de nível (ou se sabe, ou não se sabe), ao passo que acultura ´e suscetível de um aprofundamento indefinido. Por exemplo: saber de cor um verso de Racine é típico da instrução, mas meditar sobre esse verso e encontrar em cada leitura novas ressonâncias interiores é o que caracteriza a cultura. O homem culto é o que estabelece entre os dados da instrução relações pessoais e inéditas. Era isto a que se referia Paul Valéry quando falava que preferia ser lido sete vezes pelo mesmo homem do que ser lido uma só vez por sete homens. A cultura se aprofunda, ao passo que a instrução não pode mais que estender-se. É por isso que podemos falar de uma cultura profunda e não de uma instrução profunda, mas apenas de uma instrução extensa.

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Publicado na Revista Verbo, de Madri, n. 42-43, p. 169-170.


*GUSTAVE THIBON (02 de setembro de 1903 – 19 de janeiro de 2001), foi autodidata genial, nasceu em Saint-Marcel-d'Ardèche (França) onde foi sempre lavrador. Não foi um homem de diplomas e títulos. Estudou por si só o grego e o latim, os "Diálogos" de Platão e a filosofia de Aristóteles, a "Suma Teológica" de Santo Tomás. Deu-nos páginas luminosas de "Diagnósticos de Fisiologia Social", "O que Deus uniu", "A Escada de Jacob" e outros volumes de aforismos penetrantes, que são como flechas agudas atiradas para todos os lados. Poucos como ele compreenderam tão profundamente o homem e a mulher, o amor humano e o casamento. Thibon foi o testemunho que se ocultou para deixar brilhar a verdade em todo o seu esplendor. (Apresentação feita pela Revista Hora Presente).

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