sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

OS LIVROS MULTIPLICES

Se lestes, - já não quero dizer os Evangelhos – mas, simplesmente a Imitação de Cristo, ao tempo em que vivíeis alheio à fé; e depois voltastes a lê-la ao começo de vossa conversão; e depois, anos mais tarde, quando o habito da oração perene já em muito vos aliviou de vós mesmo; e depois, mais tarde ainda, quando as duras provações abriram rasgões no chumbo de vosso peito, deixando penetrar no mais fundo de vós mesmo o ar puro do sentimento de Deus; e depois, quase ao fim, quando a experiência do mundo já foi bastante para que lhe sentísseis o amargor total e para que dele vos desprendêsseis – tereis lido, de fato, cinco livros diferentes: cinco livros absolutamente diferentes uns dos outros. E fico nos limites estreitíssimos da minha própria experiência. Porque, sem dúvida, para os santos, a cada novo grau de santidade alcançado, corresponderá uma diversíssima compreensão desse livro multíplice. E como a Imitação, há muitos outros livros de substancia proteica, se assim me posso exprimir.
Ao lado destes, é evidente, há também os livros que, a sucessivas leituras, só revelarão de cada vez melhor a sua vacuidade.
Há cidades, há países, que são como aqueles primeiros livros. Revelam-se “outros”, se andamos para a frente, a cada nova etapa da nossa caminhada, mesmo que não tenham passado por nenhuma transformação material. Como com relação àqueles livros, podemos explorá-los em profundidade, à proporção que formos, com a experiência vivida adquirindo mais agudeza de penetração.
Tais livros, tais cidades, tais países são os que superam sempre, em substancia de sentido, a nossa força de compreensão, a cada período novo de nossa vida.
Por isto mesmo, de certo ponto em diante, são analogias de Deus.
Apenas, Deus nos supera, em substancia de sentido, infinitamente. Por mais vertiginosamente que caminhemos para ele, Ele será sempre outro para nós, - através de toda a longa eternidade.
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Tasso da SILVEIRA. Artigo publicado na Revista A Cruz, n. 45,1938, p. 12.

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