domingo, 14 de janeiro de 2018

A GRAÇA E O SOL

Ah! Como a verdade brilha através destas pesadas nuvens de confusão e incertezas irradiando a luz meridiana da esperança! Muitos, porém, não a vêm, muitos não a querem reconhecer. Levados pelo nosso zelo apostólico, pela caridade fraterna, não nos riamos deles, não os desdenhemos; talvez, coitados, ainda não lhes tenha chegado o momento da graça, a hora do Senhor. E nós sabemos pela Verdade eterna que sem Deus nada nos é possível: Deus é a força do corpo, Deus é a luz da inteligência, Deus é a vida da alma, Deus é o sol eterno.
Suponhamos que não existisse o sol. A terra que dele recebe toda a fecundidade, toda a beleza, toda a alegria, seria deserta, nua, tenebrosa, um astro sombrio errante pelo espaço. Que há de vivo sobre a face da terra cuja existência não se deva atribuir ou tornar dependente dos raios benfazejos do astro rei?
Nasce a planta, o animal, o homem sob o influxo dos raios solares; já existentes estes seres vivos ainda necessitam do sol para a sua manutenção, para a vida.
A planta cresce distendendo seus verdejantes braços numa ansiedade do espaço, abrindo suas corolas de policromismo perfumado a embalsamar a brisa da tarde que lhe agita a copa; a planta cresce sazonando os dourados pomos, abrigando garridos bandos de colibris mimosos; mas a planta cresce porque sente correr-lhe nas veias a seiva ardente. Deixai enregelar este sangue fecundo: ei-lo um simples espectro de arvore; ei-la de corpo esquelético e nu, de ramos tristes e fantasmagóricos erguidos ao ar; ei-la afugentando para bem longe as aves amigas que lhe demandam um pouco de sombra, um pouco de abrigo; ei-la cadavérica, envolta no seu alvo mento de neve a suplicar um raio de sol primaveril que novamente a desperte, que novamente aqueça seu coração e faça sorrir os verdes botões, abrir as tenras folhas, dourar os suculentos frutos.
No mundo da fé também encontramos um astro rei que o alimenta e vivifica, que o faz alegre e o torna feliz – é a graça.
A alma sob a ação da graça é jardim onde sorri a humilde violeta, desabotoa de verde nó o cândido lírio, exala suave perfume a rosa da oração; a caridade germina sazonados frutos, os próprios espinhos parecem transformados em flores porque a graça faz das lágrimas pérolas de celeste alegria.
Ditosa a alma que possui a graça... Vida não lhe falta porque Jesus nela tem sua morada; a alegria da paz de consciência faz esquecer todas as tristezas e dificuldades da vida; a verdade da fé ilumina-lhe a inteligência; e a ansiedade de assemelhar-se a Jesus, faz sorrir a própria dor.
Mas é noite sem manhã, é dia sem sol, a alma daquele que perdeu a graça de Deus, e sem ela não sente o calor e a luz da fé. Falta-lhe a seiva, falta-lhe a vida. Se sorri, são abrolhos de espinhos os seus risos; se chora, são lágrimas desesperadas os seus prantos; se germina, são peçonhentas flores de tristeza, indigência e morte os seus renovos.
Almas ditosas que tendes fé, guardai este tesouro precioso com cuidado; defendei-o da ambição dos inimigos; conservai-o que nele está a vossa alegria, a vossa vida o eterno rendimento dos vossos trabalhos e dores. Não sejais, porém, egoístas, compadecei-vos dos pobres que morrem à mingua de luz, enregelados pelo firo da indiferença em noite continua; estendei-lhes a vossa mão misericordiosa e deixai cair em seus corações um raio de luz, uma emanação de calor uma onda de seiva de vida divina, uma migalha de fé. Sede generosos com vossos irmãos como Deus o foi convosco. “Quem dá aos pobres empresa a Deus.
Recife, 15-VIII-1893.
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José TORRES. Idéias transformistas. Revista A Ordem, Setembro-Outubro de 1933, n. 40, p. 720-721. 

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