Ah! Como a verdade brilha através
destas pesadas nuvens de confusão e incertezas irradiando a luz meridiana da
esperança! Muitos, porém, não a vêm, muitos não a querem reconhecer. Levados
pelo nosso zelo apostólico, pela caridade fraterna, não nos riamos deles, não
os desdenhemos; talvez, coitados, ainda não lhes tenha chegado o momento da
graça, a hora do Senhor. E nós sabemos pela Verdade eterna que sem Deus nada
nos é possível: Deus é a força do corpo, Deus é a luz da inteligência, Deus é a
vida da alma, Deus é o sol eterno.
Suponhamos que não existisse o sol. A
terra que dele recebe toda a fecundidade, toda a beleza, toda a alegria, seria
deserta, nua, tenebrosa, um astro sombrio errante pelo espaço. Que há de vivo
sobre a face da terra cuja existência não se deva atribuir ou tornar dependente
dos raios benfazejos do astro rei?
Nasce a planta, o animal, o homem sob o
influxo dos raios solares; já existentes estes seres vivos ainda necessitam do
sol para a sua manutenção, para a vida.
A planta cresce distendendo seus
verdejantes braços numa ansiedade do espaço, abrindo suas corolas de
policromismo perfumado a embalsamar a brisa da tarde que lhe agita a copa; a
planta cresce sazonando os dourados pomos, abrigando garridos bandos de colibris
mimosos; mas a planta cresce porque sente correr-lhe nas veias a seiva ardente.
Deixai enregelar este sangue fecundo: ei-lo um simples espectro de arvore;
ei-la de corpo esquelético e nu, de ramos tristes e fantasmagóricos erguidos ao
ar; ei-la afugentando para bem longe as aves amigas que lhe demandam um pouco
de sombra, um pouco de abrigo; ei-la cadavérica, envolta no seu alvo mento de
neve a suplicar um raio de sol primaveril que novamente a desperte, que
novamente aqueça seu coração e faça sorrir os verdes botões, abrir as tenras
folhas, dourar os suculentos frutos.
No mundo da fé também encontramos um
astro rei que o alimenta e vivifica, que o faz alegre e o torna feliz – é a
graça.
A alma sob a ação da graça é jardim
onde sorri a humilde violeta, desabotoa de verde nó o cândido lírio, exala suave
perfume a rosa da oração; a caridade germina sazonados frutos, os próprios
espinhos parecem transformados em flores porque a graça faz das lágrimas
pérolas de celeste alegria.
Ditosa a alma que possui a graça...
Vida não lhe falta porque Jesus nela tem sua morada; a alegria da paz de
consciência faz esquecer todas as tristezas e dificuldades da vida; a verdade
da fé ilumina-lhe a inteligência; e a ansiedade de assemelhar-se a Jesus, faz
sorrir a própria dor.
Mas é noite sem manhã, é dia sem sol, a
alma daquele que perdeu a graça de Deus, e sem ela não sente o calor e a luz da
fé. Falta-lhe a seiva, falta-lhe a vida. Se sorri, são abrolhos de espinhos os
seus risos; se chora, são lágrimas desesperadas os seus prantos; se germina,
são peçonhentas flores de tristeza, indigência e morte os seus renovos.
Almas ditosas que tendes fé, guardai
este tesouro precioso com cuidado; defendei-o da ambição dos inimigos;
conservai-o que nele está a vossa alegria, a vossa vida o eterno rendimento dos
vossos trabalhos e dores. Não sejais, porém, egoístas, compadecei-vos dos
pobres que morrem à mingua de luz, enregelados pelo firo da indiferença em
noite continua; estendei-lhes a vossa mão misericordiosa e deixai cair em seus
corações um raio de luz, uma emanação de calor uma onda de seiva de vida
divina, uma migalha de fé. Sede generosos com vossos irmãos como Deus o foi
convosco. “Quem dá aos pobres empresa a Deus.
Recife, 15-VIII-1893.
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José TORRES. Idéias transformistas. Revista A Ordem, Setembro-Outubro de 1933, n. 40, p. 720-721.
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