segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

ALEGRIA, AGONIA

As alegrias da vida são fecundas e eternas. Não passam como sombra leve, conforme se tem dito. O conceito dantesco é equivoco.

“...Nessun maggior dolore
Qui ricordarsi del tempo Felice
Nella Miseria...”

A imaginação é que produz esse efeito ilusório de recrudescimento da dor presente à recordação da alegria passada. Em verdade a alegria passada está sendo, na dor presente, subjacente substancia de vida e  ser. Nenhuma alegria vivida jamais morreu. Para que uma alegria morresse, fora necessário que nosso espírito se confundisse com os inumeráveis momentos sucessivos de nossa vida. Não se confunde, porém. É energia diferente, que absorve, no entanto, um por um, tais momentos inumeráveis, integrando-os, um a um, no seu presente perpétuo.
Nós somos, a cada instante, a totalidade do que fomos.
Nada em verdade, “passou” em nós. Recordação é a face imaginativa apenas (imaginação pertence ao corpo, à matéria) da perpetua presença de um momento que passou para a matéria mas não passou para o espírito. Que passou “no tempo”, mas não passou “no intemporal” que existe em nós.
Não resta dúvida, porém, que as alegrias da vida se erguem, como píncaros, sobre um fundo de perene agonia. Da agonia inerente ao ser participado. As dores da vida são apenas instantes em que essa perene agonia se alteia em onda forte a um toque mais vivo do efêmero, acentuando em nosso ser participado a distância a que está do ser absoluto e eterno.
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Tasso da SILVEIRA. Artigo publicado na Revista A Cruz, de 30 de março de 1951, n. 1829, p.3.

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