Gustavo Corção (1896-1978)
A vida interior, a vida da alma e a vida da família entre quatro
paredes vai perdendo dia a dia a sua organicidade, e vai cedendo terreno à vida
devastadora das ruas. Faz-se hoje tudo em público. Desde o sorvete lambido nas
calçadas de Copacabana pelo indivíduo de blusão azul, que anda com um ar bonzão
e felizardo de quem acabou de se aliviar, até as mais extremadas manifestações
amorosas dos casais curados dos antigos preconceitos pela moderna psiquiatria,
tudo hoje tende a tornar-se público e ostensivo.
Eu diria, citando mais uma vez Gertrud Von Le Fort, que o mundo
moderno precisa de um véu, símbolo do invisível e paciente mundo feminino. Mas
com essa idéia de reclamar o véu, eu não quero dizer simplesmente que se deva
apenas promover uma campanha para conseguir que as mulheres se vistam com mais
modéstia. [...]
Mas a idéia do véu, como vitamina mulheril para o escorbuto de
nosso tempo, deve ser compreendida de um modo mais geral. Não é somente o corpo
que urge velar, é a própria vida íntima, o próprio coração. E não é somente nas
pessoas, uma por uma, que se aplica essa dieta, mas na própria civilização.
O homem moderno precisa efetivamente recuperar o gosto da invisibilidade
e da interioridade. Se há na vida das cidades uma atividade pública, e se há na
vida da Igreja um culto visível e público, é preciso que a essas coisas
corresponda uma componente de vida interior, na família e na alma.
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