segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O CARNAVAL E A FAMÍLIA

Carlos de Laet (1847-1927)*

O carnaval!
Sabe-se o que costuma ser o carnaval: uma série de extravagancias que não se contenta com o tríduo anterior à quaresma, porém, muito antes, se faz sentir, e se prolonga e reproduz no fim da Semana Santa.
O “culto de Momo” como se diz com rançosa mitologice, de tal forma impressiona até os governos que, quando chove durante os dias carnavalescos, gravemente se providencia para a alteração do calendário, e transferidas são as maluquices e orgias para dentro da época penitencial da Igreja Católica.
Os jornais pejam-se, antecipadamente, de versalhadas e artigos asnáticos, condimentados de sal beócio e, não raros, grosseiramente lascivos.
Assoalha-se que o carnaval é a legítima expressão do espírito nacional; mas a julgarem por tais amostras, bem triste ideia devem de nós fazer os estrangeiros cultos e sensatos aqui domiciliados.
Aturdidos por tal grita, veem-se os governos coagidos a lançar mãos dos dinheiros públicos, para subvencionar disparates carnavalescos, e destarte assistimos uma coisa verdadeiramente incrível: - a opressão das classes pobres acabrunhadas sob impostos, ao passo que, com mãos largas, se espalha dinheiro entre foliões e meretrizes.
Na época da decadência da Roma paga, aos tiranos pediam as turbas “panem et circenses”, pão e divertimentos de circo. Agora à metade fica reduzido: teremos carnaval nas ruas, mas faltando pão em casa...
O pior de tudo é que, pelo contágio do exemplo, o carnaval parece ter invadido o lar doméstico até sobre pessoas que, pela sua posição social e suas virtudes cívicas e privadas, se tornam dignas do respeito geral.
Atraídos pelo bulício e aloucamento popular, várias senhoritas, da nossa melhor sociedade, já nas folganças carnavalescas teem arriscado a fantasiar-se e sair à rua, em carros enfeitados na companhia aliás dos pais ou parentes, para assim tomarem parte na ruidosa diversão. É isto uma praxe inocente e lícita? -   perguntam-me alguns curiosos. Admiro a pergunta e sinto a necessidade de uma resposta pública.
Vou, para isto, formular a questão em outros termos. Será licito, a uma família honrada, e principalmente no que nela existe de mais recatado, isto é, a virginal pureza das meninas frequentar lugares onde a inocência se acotovele com o meretrício, a candura d’alma com os excessos impudicos das multidões, o decoro do lar doméstico com o vozear de indecências e a exibição de carnalidades prostituídas?
Que algumas meninas, joviais e travessas desejam ir a festejos públicos, espetaculosos e brilhantes, desconhecendo-lhes a malicia, o concedo e admito mas que haja pais, marido ou irmãos que, conscientes do perigo, lhes submetam a mentalidade e o coração de inocentes criaturas, inoculando-lhes o gemem do vício – eis o que, em verdade me custa compreender.
Quereis divertir a família nesses dias de loucura popular? Diverti-vos, brincai, gracejai, em família, entre damas, senhorinhas e cavalheiros bem educados. Mas levardes meninas, isto é, mulheres que estão saindo da infância, aos imoralíssimos espetáculos da embriaguez e da impudicícia, faze-las passear por entre foliões semi-bebados e hetairas alugadas para a exposição do impudor; borrifar de lama a alvura do lírio; dar a espíritos sem mácula uma tremenda lição de coisas e das coisas mais maculadas e sórdidas: seria mais do que toleima, porque fora o suicídio da família.
Dir-me-eis que, isoladas em seus carros e automóveis, as senhorinhas evitariam todo o contato ignóbil... Mas acaso podereis evitar que aos castos ouvidos lhes chegasse o vozeio das cantigas torpes? Ou que pelos olhos lhes entrasse a visão das calculadas nudezas das cortesãs? Tanto vos custa em dinheiro e, o que mais é, em cuidados a educação cristã de vossas filhas – e tudo ireis perder pela imprudência de alguns dias! É inconcebível.
Atravessamos – todos os sentem, uma quadra de agitações e distúrbios, consectário fatal da corrupção dos costumes. O pior não é que o vento revolucionário sacuda o edifício social, e sim que esteja bichado o travejamento.
Pois bem! Que ao menos a ruína não atinja o lar doméstico!
Salvemos a santidade da família.
*****

* De Carlos de Laet disse um bom autor: “Carlos de Laet, o nosso Chesterton, era o florete habilíssimo que desmontava as melhores lâminas, levando de vencida os sofismas da época à força da mais demolidora das ironias, cuja grande arma era pôr de seu lado a troça”. Entre suas obras destacam-se: Poesias (1873); Antologia nacional, em colaboração com Fausto Barreto (1895); A descoberta do Brasil (1900); Heresia protestante, polêmica com o pastor Álvaro Reis (1907).

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