Gustave Thibon (1903-2001)
O homem é o único ser vivo capaz de
pensar e de prever o futuro. Este privilégio permite conceber e realizar
projetos por meio dos quais - ao contrário do animal que vive no dia-a-dia sob
a influência imediata dos seus instintos - o homem pode orientar e construir o
seu próprio destino. A previsão é o motor do progresso.
Mas esta preciosa faculdade é também
fonte de um número incalculável de ilusões e de sofrimentos.
Com efeito, muitos homens vivem de tal
modo no futuro que se esquecem de saborear as alegrias ou de cumprir os deveres
da hora presente. E isto, quer porque esperam do futuro uma felicidade ideal,
que não é compatível com as condições da vida terrena, quer porque adiam para
amanhã o cuidado de se corrigirem dos seus defeitos ou de tomarem certas
decisões cuja urgência se faz sentir já hoje. Esquecem que o futuro é apenas um
presente diferido e que, se hoje são incapazes de ser felizes e de realizar
certos esforços, amanhã encontrar-se-ão com as mesmas limitações e as mesmas
dificuldades, de tal modo que, deslocando as suas esperanças de amanhã em
amanhã, acabarão por morrer sem nunca ter vivido. "O inferno está cheio de
boas intenções" - diz um velho ditado... A mesma obsessão do futuro pode
apresentar-se também sob a forma do medo e da angústia. Quantos homens agravam
os seus males reais com a imaginação dos males possíveis e sofrem de antemão
acontecimentos que talvez nunca venham a ocorrer! Estes terrores são geralmente
tão ilusórios quanto as falsas esperanças, porque os males que nos atingem não
são quase nunca aqueles que tínhamos previsto. Conheci um homem que vivia na
obsessão do cancro; o menor mal-estar parecia-lhe um sintoma da terrível
doença; via-se já destruído e condenado pela doença; por fim, acabou por morrer
num acidente de automóvel, no qual nunca tinha pensado. Mas, entretanto, tinha
estragado a sua vida na expectativa de males imaginários.
Responder-me-ão que há casos em que os
males que se receiam não são imaginários e um homem que sofra, por exemplo, de
uma doença grave, ou que defronte sérias dificuldades financeiras, tem razões
muito legítimas para recear pelo futuro. Direi que tal fato é mais uma razão
para não acrescentar á dor presente - que já é demasiado acabrunhante - o peso
suplementar da dor futura. Vejamos o caso de um doente. O que o acabrunha e
desanima é menos o seu sofrimento atual do que a imagem que cria para si mesmo
do conjunto de males que talvez venha a sofrer e de perigos de que se sente
ameaçado. "Que mais terei eu ainda para sofrer? Como vou sair disto
tudo?" - pergunta a si mesmo. E sente-se esmagado por essa carga de
provações futuras, que por agora só existem no seu espírito. Precisamos de
aprender a aceitar as provações exatamente como elas nos são dadas, isto é a
retalho, aos poucos e no dia-a-dia. "Qualquer que seja o teu sofrimento -
dizia Marco Aurélio - podes sempre suportá-lo até ao minuto seguinte: ora, a
vida é apenas uma sucessão de minutos". Também já foi dito que, se
pusessem diante de um homem o conjunto dos alimentos que ele virá a consumir
até ao fim dos seus dias (várias toneladas de pão, de carne, etc...), ele
perderia imediatamente o apetite. E contudo, dia após dia, sem pensar nisso, o
homem virá realmente a comer toda essa quantidade de alimentos...
"Não vos inquieteis a pensar no
amanhã; a cada dia basta a sua pena" - diz-nos o Evangelho. O que nós
temos de fazer não é sonhar o futuro, mas construí-lo mediante uma fidelidade
sem quebra ao cumprimento das tarefas e dos deveres da hora presente.
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