terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A QUARESMA

Padre Altamira Gomes de Paiva.

Intensos estudos se fazem para resolver os mistérios das forças físicas; profundas meditações, para encontrar a chave dos intrincados problemas da natureza; inteligências e energias humanas se empenham na descoberta dos tesouros escondidos da matéria. Magnífico o resultado de tantos suores! Surpreendentes o progresso no reino da matéria!
E para a alma? É lamentável a negligência! Doloroso de ver o pouco interesse em conhecer as necessidades da pobre alma! Nenhum cuidado para ajudá-la a conseguir o seu fim.
O mundo em tanto apreço, e a alma - abandonada; sobressaltos pela saúde do corpo, e pela da alma - indiferença cruel; para os caprichos e exigências da sociedade, multiplicam-se as solicitudes, e para a vida da alma - apatia quase completa.
A moleza da educação moderna, que pouco a pouco, mas eficazmente enfraquece os corações; ambiente mundo que invade, quase sem obstáculos, o lar doméstico; o desuso dos sacramentos e o hábito de nunca elevar uma prece ao trono de Deus; a participação dos espetáculos e cinemas, de onde não raras vezes, os sentimentos nobres e retos saem gravemente feridos; as leituras repletas de sútil veneno contra a fé e contra a pureza do coração - tudo concorre para completar a ruína da alma. O abalo moral é forte!
A corrente das seduções, impetuosa! O triunfo da carne e das paixões põe o homem fora de seu centro, obrigando-o a correr perdidamente pela estrada do prazer.
Quem o conduzirá ao bom caminho? Quem mostrar-lhe-á os perigos que o ameaçam, indicando-lhe ao mesmo tempo um meio reparador? Será sempre a Santa Igreja. Adotando o remédio inculcado pelo Divino Mestre, estabelece o tempo salutar da Quaresma; testemunha da decadência do espírito cristão, abranda o primitivo rigor, na esperança de conservar e fortificar o tênue fio de vida, que se romperia sob o influxo de uma tensão mais forte.
Uma insignificância o que de nós exige a Igreja, durante a quaresma: penitencia quase nula, privações mínimas, sacrifícios limitadíssimos; e, contudo, encontramos mil pretextos para evitarmos a sua lei, procuramos motivos para criticá-la e condená-la.
Desgostam-nos as pequenas dificuldades encerradas no atual preceito do jejum e abstinência.
As páginas sagradas, tanto do velho como do novo testamento, constantemente nos lembram a necessidade e a eficácia de prática tão salutar, pela qual muitas vezes foram obtidos de Deus favores sem número para os profetas e o perdão e misericórdia para grandes pecadores, como Davi e os ninivitas.
É uma das leis mais claramente estabelecidas na Sagrada Escritura: aqui lembrada qual meio eficaz para aplacar a ira de Deus irritado pelos pecados; mais adiante sugerida para fortificar-nos na conquista do céu; umas vezes proposta como freio de nossas paixões; outras vezes prescrita para o conseguimento de nosso fim.
A Igreja apenas determinou o modo e o tempo de uma lei formulada por Deus, nos livros santos, tão evidente e explicitamente.
Se os corações estivessem menos ofuscados pelo fumo das paixões e vaidades, e as inteligências mais livres das trevas da ignorância e da presunção, ver-se-ia melhor a prudência e sabedoria divinas que dirigem a Santa Igreja nas suas determinações.
Ouçamos humildes a sua voz, e entreguemo-nos generosos às santas práticas a quaresma; concedendo às nossas almas metade da dedicação empregada para o bem-estar do corpo permitamos em favor do negócio de nossas almas parte de tantas penas sofridas inutilmente na aquisição de tantas frivolidades.
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*Artigo publicado no Jornal A Cruz, n.12, de 22 de fevereiro de 1920.

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