Tasso
da Silveira*
Dos
passos evangélicos iluminados pela presença da Virgem, sem dúvida o da
Anunciação e o do Calvário se revestem de mais transcendente e misterioso
sentido; mas o de mais tranquilizante e jubilosa significação para a nossa
fraqueza humana e para nossa necessidade de amparo é o das bodas de Caná.
Ainda
em meio da festa nupcial, a Virgem repara que se esgotou a bebida capitosa que
faz a alegria das festas. E num interesse comovente, puramente humano, que, por
assim dizer, a Jesus não ocorreria, disse Ela ao divino Filho: "Eles não
têm mais vinho".
Jesus
entende a sugestão delicada. Mas é com severidade e se diria até com uma ponta
de irritação que responde: "Mulher, que há entre mim e ti? Ainda não
chegou a minha hora!..."
Que
podemos compreender por estas expressões?
Que
desde toda a eternidade estava marcado o momento preciso em que o Salvador
deveria abertamente mostrar-se aos homens como Deus, operando milagres. E o
momento marcado não era aquele das bodas. O pedido da Virgem era ordem de mãe e
foi assim que Jesus o entendeu. Mas vinha, essa ordem, alterar toda a economia
dos eternos desígnios.
Daí
aquela severidade irritada.
Não
obstante isso tudo, a Virgem não perdeu sua confiante serenidade, e sem
retrucar ao Filho disse de manso aos servos: "Fazei tudo que ele vos
disser".
Com
que ouvidos de mistério teria ouvido Jesus estas palavras que significavam a
ordem reiterada, apesar do que Ele havia dito, e com que olhos de mistério
teria visto os servos obedecerem ao que mandara a Senhora! Seja como for,
também não discutiu nem insistiu: transformou a água em vinho.
Neste
passo, mais que em qualquer outro, é que podemos perceber o poder intercessório
da Virgem. No fim de contas Ela alcançou, nesse momento, falando do fundo de
sua humanidade humílima, mas também do alto de sua autoridade de mãe de Deus,
modificar a vontade absoluta do próprio Deus. Não sei se nos livros sagrados há
referência a outro qualquer acontecimento dessa ordem.
Nas
bodas de Caná o fato se verifica irrecusavelmente.
Assim,
que é a Virgem sagrada para nós?
Em primeiro
lugar, a muito humana, a humaníssima, capaz de compreender nossa mais pobre
queixa, nosso mais ingênuo pedido, uma vez que não envolva impureza e soberba.
Em segundo lugar, a que tudo pode junto do Filho eterno em favor nosso, a ponto
de, se for preciso, quebrar, para atender-nos, o quadro das determinações
absolutas da divindade.
*****
*Extraído do livro "Diálogo
com as raízes – Jornal de fim de caminhada", fragmento datado de
28.4.1955.
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