terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

DISPOSIÇAO AO SACRIFÍCIO

Fulton J. Sheen (1895-1979)
(Especial para a tribuna da Imprensa)*

Nunca houve, numa fase de tréguas como a que atravessamos (pois dificilmente chamaríamos de “pacíficos” os tempos em que vivemos)  tamanha disposição ao sacrifício como a que hoje se verifica. Esse espirito não se manifesta ainda abertamente, mas permanece escondido, como a água sob a superfície da terra.
A disposição ao sacrifício manifesta-se de duas maneiras: uma delas mórbida e masoquística, a outra sadia e louvável. O sintoma característico dessa primeira forma de sacrifício é a submissão ao totalitarismo por parte de cerca de um quarto dos povos da terra. O Comunismo oferece uma versão secular da doutrina cristã do sacrifício, proclamando que a abnegação, os expurgos, as eliminações, a violência da revolução são indispensáveis ao homem que quer encontrar uma nova forma de paraíso na terra. O Comunismo vem conseguindo um número avultado de adeptos – não porque sejam verdadeiros seus ensinamentos, senão porque os homens se cansaram de um Liberalismo morno para o qual nenhum erro era suficientemente corrompido para ser condenado e nenhuma causa bastante elevada para merecer uma dedicação integral. O comunismo procura preencher o vácuo deixado pelo abandono do sagrado preceito: “Toma a tua cruz e segue-me”.
Não impede que existam sintomas mais sadios desse desejo de sacrifício, traduzidos na ânsia da mocidade em encontrar algo de difícil e merecedor. Aqueles dentre eles que encontram uma causa a que servir, a ela se dedicam incansavelmente, enquanto a acreditam capaz de produzir algum benefício para a humanidade. Ante a objeção de que não poucos jovens de ambos os sexos voltam-se para anarquia social e a licenciosidade, eu contestaria não se tratar aqui de uma prova de fraqueza dessa mesma juventude, e nem tão pouco de sua rebelião contra a lei e a autoridade. Considero-a antes como um protesto contra a fraqueza de seus maiores, que temperaram a verdade com o erro, a virtude com o vício, e diluíram os elementos de drama da existência. O espirito revolucionário dos nossos moços é um protesto contra a impotência de seus maiores em lhes transmitirem valores puros e autênticos pelos quais valha a pena lutar; sua revolta é uma atitude de desprezo contra a barbaria passiva da sociedade em que nasceram. A devassidão em que mergulham é um ato de revolta contra o vazio da vida, vivida exclusivamente com finalidades egoísticas; a essa falta de sentido procuram compensar pela intensidade de suas experiências eróticas. Mesmo nas piores acusações da juventude é possível vislumbrar uma esperança: essa atitude revela a ambição por um destino mais elevado e uma vida de dedicação.
Certo período da história Romana apresenta semelhança com o nosso; a filosofia então geralmente aceita era o estoicismo, que tinha por lema: “Aperte os dentes e aguente”. Nos tempos atuais, outra filosofia, ainda menos satisfatória para o espírito humano que o Estoicismo romano, nasceu da crise das duas Guerras Mundiais. Surgiu primeiramente na Alemanha, depois da Primeira Grande Guerra, e na França, em nossos dias; é conhecida por Existencialismo.
O Existencialismo preparava os homens para o niilismo social, para a decadência da civilização; o Existencialismo impõe-lhes a aceitação de um niilismo interior, a decadência da personalidade humana apartada de Deus. Os filósofos existencialistas têm pelo menos o mérito de distinguirem claramente as duas supremas alternativas que propõem ao homem escolher: ou Deus, ou nada. Feita essa escolha, a criatura não pode continuar na mediocridade: ou bem deriva para a loucura e o suicídio, ou eleva-se até Deus através do sacrifício e da abnegação.
A grande maioria dos indivíduos de hoje – e em particular os jovens – acha-se preparada para essa caminhada para o alto; faltam-lhe os chefes capazes de conduzi-los. Estes, igualmente criados numa atmosfera de frouxidão e negligencia – que procurou amoldar à Cruz e suavizar-lhe as ásperas arestas para que estas deixassem de ferir – não se acham preparados para satisfazer os anseios mais profundos de uma humanidade sedenta de sobrenatural.
Observadores superficiais poderão tomar por líder popular aquele que faz belas e desinteressadas promessas – anos de férias com direito a remuneração, aposentadoria para os operários nos trinta anos eu vos direi no entanto que o futuro líder, capaz de conquistar realmente a imaginação de nossos compatriotas, será m homem com uma cruz às costas.
A época em que se embalavam os povos com promessas atinge o seu crepúsculo, substituída por apelos ao heroísmo, ao sacrifício e ao desprendimento. Multidões se aglomerarão ao lado daquele que oferecer aos homens algo mais digno de amor que a sua própria individualidade. Nos dias em que o progresso mecânico parecia assegurado, o Calvário parecia longínquo; numa era de adversidade como a nossa, ele se aproxima e passa a exercer  mais forte poder de atração. A América de hoje anseia por uma oportunidade de sacrificar interesses egoístas em prol de uma causa meritória. Se pudermos contar com chefes dispostos a imolar-se eles próprios em sacrifício por essas causas, tudo estará salvo. (Tradução de Maria Helena Amoroso Lima Senise)
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Publicado no Jornal Tribuna da Imprensa (dirigido por Carlos Lacerda), 1950, n. 37, p. 4.

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