Fulton J. Sheen (1895-1979)
(Especial para a tribuna da Imprensa)*
Nunca houve, numa fase de tréguas como
a que atravessamos (pois dificilmente chamaríamos de “pacíficos” os tempos em
que vivemos) tamanha disposição ao sacrifício
como a que hoje se verifica. Esse espirito não se manifesta ainda abertamente,
mas permanece escondido, como a água sob a superfície da terra.
A disposição ao sacrifício manifesta-se
de duas maneiras: uma delas mórbida e masoquística, a outra sadia e louvável. O
sintoma característico dessa primeira forma de sacrifício é a submissão ao
totalitarismo por parte de cerca de um quarto dos povos da terra. O Comunismo
oferece uma versão secular da doutrina cristã do sacrifício, proclamando que a abnegação,
os expurgos, as eliminações, a violência da revolução são indispensáveis ao homem
que quer encontrar uma nova forma de paraíso na terra. O Comunismo vem
conseguindo um número avultado de adeptos – não porque sejam verdadeiros seus
ensinamentos, senão porque os homens se cansaram de um Liberalismo morno para o
qual nenhum erro era suficientemente corrompido para ser condenado e nenhuma
causa bastante elevada para merecer uma dedicação integral. O comunismo procura
preencher o vácuo deixado pelo abandono do sagrado preceito: “Toma a tua cruz e
segue-me”.
Não impede que existam sintomas mais sadios
desse desejo de sacrifício, traduzidos na ânsia da mocidade em encontrar algo
de difícil e merecedor. Aqueles dentre eles que encontram uma causa a que servir,
a ela se dedicam incansavelmente, enquanto a acreditam capaz de produzir algum
benefício para a humanidade. Ante a objeção de que não poucos jovens de ambos
os sexos voltam-se para anarquia social e a licenciosidade, eu contestaria não se
tratar aqui de uma prova de fraqueza dessa mesma juventude, e nem tão pouco de
sua rebelião contra a lei e a autoridade. Considero-a antes como um protesto
contra a fraqueza de seus maiores, que temperaram a verdade com o erro, a
virtude com o vício, e diluíram os elementos de drama da existência. O espirito
revolucionário dos nossos moços é um protesto contra a impotência de seus
maiores em lhes transmitirem valores puros e autênticos pelos quais valha a
pena lutar; sua revolta é uma atitude de desprezo contra a barbaria passiva da
sociedade em que nasceram. A devassidão em que mergulham é um ato de revolta contra
o vazio da vida, vivida exclusivamente com finalidades egoísticas; a essa falta
de sentido procuram compensar pela intensidade de suas experiências eróticas.
Mesmo nas piores acusações da juventude é possível vislumbrar uma esperança:
essa atitude revela a ambição por um destino mais elevado e uma vida de dedicação.
Certo período da história Romana
apresenta semelhança com o nosso; a filosofia então geralmente aceita era o
estoicismo, que tinha por lema: “Aperte os dentes e aguente”. Nos tempos
atuais, outra filosofia, ainda menos satisfatória para o espírito humano que o
Estoicismo romano, nasceu da crise das duas Guerras Mundiais. Surgiu primeiramente
na Alemanha, depois da Primeira Grande Guerra, e na França, em nossos dias; é
conhecida por Existencialismo.
O Existencialismo preparava os homens
para o niilismo social, para a decadência da civilização; o Existencialismo impõe-lhes
a aceitação de um niilismo interior, a decadência da personalidade humana
apartada de Deus. Os filósofos existencialistas têm pelo menos o mérito de distinguirem
claramente as duas supremas alternativas que propõem ao homem escolher: ou
Deus, ou nada. Feita essa escolha, a criatura não pode continuar na
mediocridade: ou bem deriva para a loucura e o suicídio, ou eleva-se até Deus
através do sacrifício e da abnegação.
A grande maioria dos indivíduos de
hoje – e em particular os jovens – acha-se preparada para essa caminhada para o
alto; faltam-lhe os chefes capazes de conduzi-los. Estes, igualmente criados
numa atmosfera de frouxidão e negligencia – que procurou amoldar à Cruz e
suavizar-lhe as ásperas arestas para que estas deixassem de ferir – não se
acham preparados para satisfazer os anseios mais profundos de uma humanidade
sedenta de sobrenatural.
Observadores superficiais poderão tomar
por líder popular aquele que faz belas e desinteressadas promessas – anos de
férias com direito a remuneração, aposentadoria para os operários nos trinta
anos eu vos direi no entanto que o futuro líder, capaz de conquistar realmente
a imaginação de nossos compatriotas, será m homem com uma cruz às costas.
A época em que se embalavam os povos
com promessas atinge o seu crepúsculo, substituída por apelos ao heroísmo, ao
sacrifício e ao desprendimento. Multidões se aglomerarão ao lado daquele que
oferecer aos homens algo mais digno de amor que a sua própria individualidade. Nos
dias em que o progresso mecânico parecia assegurado, o Calvário parecia longínquo;
numa era de adversidade como a nossa, ele se aproxima e passa a exercer mais forte poder de atração. A América de
hoje anseia por uma oportunidade de sacrificar interesses egoístas em prol de
uma causa meritória. Se pudermos contar com chefes dispostos a imolar-se eles próprios
em sacrifício por essas causas, tudo estará salvo. (Tradução de Maria Helena
Amoroso Lima Senise)
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Publicado no Jornal
Tribuna da Imprensa (dirigido por Carlos Lacerda), 1950, n. 37, p. 4.
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