sábado, 3 de novembro de 2018

O VALOR DO SILÊNCIO


Um grave autor, escrevendo um livro sobre o martírio diz que o casamento é um, pelas mil consumições que consigo acarreta, antes, diz ele, tenho por certo, de muitos mártires que veneramos sobre os altares terem sofrido muito menos, do que sofrem muitos casados e casadas. Terão tribulações, diz São Paulo, terão tribulações. Quando aquele felicíssimo e castíssimo consórcio de Maria e de José as teve, e tamanhas, como foram cruéis suspeitas e desconfianças, pensamentos de divórcio, mágoa da perda do menino Jesus, e tantas outras, quanto mais agora o casamento dos pecadores?
Portanto, quem se casa abrace-se logo, com a sua cruz, e quando vier qualquer sofrimento, vá dizendo: Eu já sabia. Para isto é que me casei. E fique em sossego, paciente, resignado, possuindo sua alma na paz.
Portanto, quem se casa abrace-se logo, com a sua cruz, e quando vier qualquer sofrimento, vá dizendo: Eu já sabia. Para isto é que me casei. E fique em sossego, paciente, resignado, possuindo sua alma na paz.
Evitem-se com todo o cuidado entre casados altercações vergonhosas, polémicas ásperas, palavras descorteses ou de desprezo; antes tratem-se sempre com suma atenção, respeito, polidez e carinho. Que todo azedume, cólera, indignação, rixa, maledicência, e toda malícia seja banida dentre vós, diz S. Paulo; e ainda: Seja toda palavra boa, útil, edificante, própria a dar a graça aos que a escutam. (Efésios IV, 31, 29.1)
Antes quebrar por si e ter a paz, do que sustentar vãos caprichos, que metem a desordem na família. O segredo de manterem-se os casados em santa concórdia e constante harmonia é suportarem um ao outro os seus defeitos, não apurando agravos, antes relevando muita cousa e, calando, quando a prudência manda calar.
A ira é, muitas vezes uma faísca; mas diz o sábio: Se soprais a faísca, sairá dela um fogo ardente; se cuspis em cima, se apagará; e a boca é que faz uma e outra cousa; (Ecl. XXXVIII, 14) assim a língua acende ou abafa as contendas. Se não lhes pondes cobro, a faísca torna-se logo brasa, a brasa labareda, a labareda incêndio. As palavras vão se precipitando, como levadas de engenho em se lhe abrindo a corrediça. Guardar, pois, silêncio é o melhor alvitre.
Os que acharam este segredo vivem contentes e em paz no seu estado. Referem os autores, a este propósito, o caso gracioso de uma coitada, que se foi queixar mui magoada ao seu Padre espiritual dos desabrimentos do marido. "Logo que me entra em casa, disse, é uma tormenta desfeita de impropérios e de injúrias; renovam-se todos os dias estas cenas violentas, com grandes clamores, que atordoam e escandalizam a vizinhança.
Ando consumida, já me é insuportável a vida; dizei-me, Padre, o que devo fazer em tão angustiosa situação?"
O Padre, depois de ouvi-la com toda paciência, foi buscar um frasco de água e lho entregou dizendo: "Esta água fará o milagre. Todas as vezes que teu marido entrar colérico, e começar a maltratar-te de palavras, toma um pouco desta água na boca, e aí a conservarás até que ele se tenha calado. Verás que a água que te dou tem singular virtude".
Fez a mulher exatamente como lhe dissera o Padre, e observou que depois que tomou a água na boca, a ira do marido como que se amainou mais depressa. No dia seguinte, mesmo proceder, mesmo resultado. As cóleras do marido foram-se tornando cada vez menos duradouras e menos frequentes, até que enfim cessaram de todo, e reinou a paz no pobre casal.
Foi a mulher ao Padre, toda jubilosa, agradecer o portentoso efeito daquela água.
"A água, mulher, só teve uma virtude, e não pequena", respondeu o Padre: "foi a de fazer-te calar; pois em quanto a tinhas na boca, não podias proferir palavra. A este silêncio, e só a ele, deves o benefício da paz e concórdia que logras com teu marido. "
Se quando um se agastasse, o outro se calasse, nunca haveria dissenções nas famílias.
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D. Antônio de Macedo Costa (1830-1891). O Livro da família: ou explicação dos deveres domésticos segundo as normas da razão e do Cristianismo. 3ª ed., São Paulo: Paulinas, 1945, pp. 85-86.


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