“O homem que é verdadeiramente homem,
isto é, que não degradou as suas energias espirituais, e as manteve acesas como
uma chama sagrada, este homem nunca hesita em face dos tremendos conflitos, das
reações, das resistências, que a vida amarga lhe opõe. Enfrenta-os com decisão
e coragem, porque vai armado do grande amor, que é o misterioso fervor íntimo
dos criadores e dos heróis, da grande fé tranquila, que é a misteriosa certeza
que têm os heróis e os criadores de que o espírito nasceu para destinos
imortais. No caminho, há o sorvedouro da lascívia a atravessar, os abismos
carnais da triste argila. É nesse sorvedouro que tomba sempre, para a
degradação total, o ser que não é ser. O ser que é ser, porém contorna-os:
vence-os sem ânsias e sem custo. E enquanto, em torno, os homens frágeis
oscilam, batidos de ventos contrários de ambição e luxuria, ele fica sereno,
num sorriso justo: sereno, porque sabe que a ale não o podem vencer os
vendavais, e num sorriso justo porque compreende que haja os homens frágeis e
lhes perdoa, porque a compreende, a fragilidade infinita. Que é que o sustenta
nessa altitude firme e heroica? Que é que sustenta, em sua atitude, o gênio, os
santos, os heróis? Uma força secreta, indefinível: ondas interiores de
grandeza. O homem que é assim transforma em sabedoria, em bondade, em beleza -
em realizações fecundas - as suas próprias dores, como sempre o fizeram os
gênios, os santos, os heróis. E para esgotar-lhes, a essas dores, o veneno corrosivo,
para quebrar-lhes o acento deprimente, ironiza-as, ri-se delas, "canta por
entre as águas do dilúvio!".
*****
Tasso da SILVEIRA. Parnasianismo e simbolismo, A Ordem, n.
74, 1937, p. 56-57. (O trecho acima transcrito trata-se de análise do autor sobre
o soneto "Sorriso interior", de Cruz e Souza).
Nenhum comentário:
Postar um comentário