Charles PÉGUY (1873-1914)*
Quem
haveria de dizer que nós fomos criados no meio de um povo alegre? Naquele tempo
a oficina era o lugar da terra em que os homens são felizes. Hoje a oficina é o
lugar da terra em que os homens se recriminam, se odeiam e se batem; se matam.
No meu tempo todo mundo cantava (exceto eu, mas eu já era indigno de ser
daquele tempo). Na maior parte das corporações contava-se. Hoje se resmunga.
Naquele tempo não se ganhava nada, por assim dizer. Os salários eram de uma
pequenez que não se faz ideia. E, no entanto, todo mundo respira. Havia nas
mais humildes casas uma espécie de facilidade cuja lembrança se perdeu. Na
verdade no se calculava. E não era preciso calcular. Podia-se educar os filhos.
E se educavam. Não havia esse estrangulamento econômico de hoje, essa estrangulação
científica, fria, retangular, regular, nítida, caprichada, sem uma emenda,
implacável, sóbria, comum, constante, cômoda como uma virtude, da qual não há
nada mais a dizer, e na qual o estrangulador está tão evidentemente sem razão.
Não se saberá nunca até onde ia a decência e a justeza de alma desse povo; uma
tal firmeza, uma tal cultura profunda nunca mais se encontrará. Nem tamanha
elegância e precaução no falar. Aquela gente se envergonharia de nosso melhor
tom de hoje, que é o tom burguês. E hoje todo mundo é burguês. Quem poderia
crer, e isso vem ainda a dar no mesmo, que nós conhecemos operários que tinham
vontade de trabalhar. Só se pensava em trabalhar. Nós conhecemos operários que
de manhã, não penavam senão em trabalhar. Eles se levantavam de manhã (e a que
horas!) e cantavam à ideia de partir para o trabalho. Às onze horas cantavam
quando iam à sopa. E sempre Victor Hugo no fim de contas; e é sempre a Victor
Hugo que é preciso voltar: Eles riam,
eles cantavam... Trabalhar era a sua própria alegria, a raiz profunda do
seu ser. E a razão do seu ser. Havia uma honra incrível do trabalho, a mais
vela de todas as honras, a mais cristã, a única talvez que tenha sentido. É por
isto, por exemplo, que eu digo que um livre-pensador daquele tempo era mais cristão
que um católico dos nossos dias. Porque um católico dos nossos dias é
forçosamente um burguês. E hoje em dia todo mundo é burguês.
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*Revista A Ordem, n. 06, Vol. XXXVII, junho de 1947, p. 31-32.
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