Gustave Thibon (1903-2001)
Chegou-me casualmente
às mãos a tradução de um comunicado cuja publicação ocorreu num número da
revista "Culture Soviétique".
Trata-se da resposta de uma alta autoridade do Ministério da Cultura a um jovem
contestario que criticava "a atitude
hipócrita das publicações, filmes e emissões de televisão soviéticos relativamente
ao sexo" e que concluía: "sobre
este assunto, a nossa informação está muito abaixo do nível internacional e é
urgente abrir as comportas".
Por outras palavras,
o referido jovem, deslumbrado pela liberdade sexual ao contemplar o mar de lama
que inunda o Ocidente, verifica, despeitado, que a Rússia ainda está a seco e
reclama um aumento maciço da produção pornográfica, a fim de restabelecer a
paridade entre o seu país e as nações burguesas...
A revista reproduz a
carta desse jovem e dá-lhe esta resposta oficial:
"Lenine sempre criticou
implacavelmente a noção de amor livre como sendo de origem burguesa e estranha
à moralidade soviética. Amor livre de quê? De toda a responsabilidade para com
a pessoa que nos é querida? Mas tal amor, na realidade, ‘está
livre do próprio amor’, porque este
sentimento, pela sua própria natureza e excelência, pressupõe sempre uma
responsabilidade ao mesmo tempo para consigo mesmo e para com a pessoa
amada".
Eu tenho dito
centenas de vezes estas mesmas coisas, quase com as mesmas palavras, e
alegra-me - uma vez não são vezes - o fato de me sentir de pleno acordo com o
ensino oficial do Estado soviético. Só com a diferença de que, ao defender os
princípios elementares da moral sexual, não me colocava sob o patrocínio sagrado
de Lenine e obtinha o efeito de que me tratassem regularmente como um
detestável burguês retrógrado. Pois bem, aqui estou eu agora afiançado pelo
socialismo mais ortodoxo.
A eminente doutora
que subscreve o comunicado prossegue nestes termos:
"Num país socialista, não há
nenhuma razão para que se desenvolva a teoria do amor livre. Como médica,
considero que a pornografia é nociva, sobretudo no período do desenvolvimento
físico e espiritual dos adolescentes. A derrogação das leis contra a
pornografia, no Ocidente, conduz a um verdadeiro beco sem saída moral e à sobre
excitação de emoções perversas que não são naturais ao homem... A nossa
sociedade deve velar pela saúde moral dos nossos jovens trabalhadores e
estudantes".
Uma vez mais, não se
pode deixar de aprovar sem restrições tal declaração, porque não se trata já de
moral burguesa ou socialista, mas simplesmente da moral resultante das
exigências do homem eterno. E temos de confessar que, neste ponto, o nosso
liberalismo que conduz à distribuição da pílula às adolescentes, à
democratização do aborto e à exibição pornográfica, este liberalismo avançado à
maneira dos frutos bichosos e do queijo que se decompõe, desqualifica-nos no
nosso combate pela liberdade contra os regimes totalitários.
Eis aonde conduz a
dissociação entre a política e a moral que grassa nas nossas democracias
deliquescentes. Mas um povo não pode viver indefinidamente sem moral e esta,
rejeitada por uma liberdade transviada, renasce, mais cedo ou mais tarde, sob a
pressão da tirania política. Daqui a alternativa que se põe ao Ocidente: ou
salvar livremente a liberdade impondo-lhe as disciplinas necessárias à
sobrevivência, ou continuar a deixar a liberdade degradar-se em libertinagem -
o que exige o mesmo remédio que um membro incuravelmente gangrenado: a
amputação.
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