“Que
afeto ou que virtude – interrogava um grande bispo brasileiro – mais credor das
bênçãos de uma religião fundada na caridade, que o amor da pátria, que os
antigos chamavam Charitas patrii soli, o amor da sua independência, dos seus
direitos, e da sua grandeza, sentimento irresistível, que o mesmo autor da
natureza gravou no fundo dos nossos corações?
Os
livros santos estão cheios de sublimes cânticos, e magnificas descrições das
brilhantes solenidades com que a nação celebrava, e transmitia aos seus
vindouros, a lembrança das memoráveis épocas da sua liberdade, assim como dos
patrióticos suspiros, com que os cativos da Babilônia se compraziam até na recordação
das mesmas pedras da sua infeliz pátria – ‘Quoniam placuerunt servis tuis
lapides ejus, et terrae ejus miserabuntur’” (Dom Romualdo Seixas, arcebispo da
Bahia, metropolitano do brasil – Pastoral constituindo santificado o dia dois
de julho [26 de junho de 1830]).
Realmente.
A própria Virgem Santíssima entoou no Magnificat um cântico de ação de graças ao
Senhor pelos benefícios derramados sobre o povo de Israel. O Divino Salvador
quis, em pessoa, pregar primeiramente aos seus compatriotas, sobre cuja
desolação e ruína derramou lágrimas, entrando em Jerusalém, nas vésperas da sua
Paixão. “Espargiu seu sangue, disse Bossuet, com um olhar particular para a sua
nação, e oferecendo o grande sacrifício que devia ser a expiação de todo o
Universo, quis que o amor da pátria tivesse também aí o seu lugar” (Bossuet –
Politique tirée de l’Ecriture sainte, L. I, artigo VI.)
(...)
País
descoberto, povoado, civilizado à sombra a cruz, não admira tenha tido o Brasil
por primeiros patriotas os seus primeiros missionários apostólicos. Tão
abandonada que até o nome perdera, adotou generosamente a Companhia de Jesus a
nova terra, para criá-la ao seio, não como nutriz mercenária, mas com entranhas
piedosíssimas de mãe. Ainda mais que o poder régio, soube ela educá-la,
imprimindo-lhe ao caráter esse cunho indelével que representa até hoje a maior
segurança da realização dos seus gloriosos destinos. Manoel da Nobrega,
Aspilcueta Navarro, José de Anchieta, eis aí entre outros muitos os nomes dos
primeiros patriotas que teve a nossa terra.
Pouco
importa não tivesse aberto os olhos sob as fulgurações do Cruzeiro o heroico missionário,
braço forte dos Sás, a respeito do qual disse com razão o protestante Southey: “não
há ninguém a quem deva o Brasil tantos e tão permanentes servoços”, ou aquele
outro grande condutor de povos, a um tempo missionário, poeta, historiador,
pedagogo e linguista, fundador de cidades, que consumiu cinquenta anos de existência
a labutar sem tréguas, pela pátria que adotadra.
Extremeciam-na
todos, como própria, essa nova terra e levantavam clamores contra a desafeição geral
dos colonos.
*****
Eugênio
Vilhena de Moraes. O Patriotismo e o Clero
no Brasil, Revista do IHGB, Tomo 99-Vol. 153, 1926, p. 113-114.
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